Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 01 de dezembro de 2009

População 436

Trama superficial que traz à tona a temática da cidadezinha do interior que guarda um mistério, geralmente ligado a fé cega.

O filme retrata uma pequena, aliás, minúscula cidade do interior dos Estados Unidos onde tudo é tranquilo, pessoas felizes e, claro, por trás desta premissa, um mistério. O agente do censo norte americano Steve Kady (Jeremy Sisto) é enviado a Rockford Falls para atualizar o censo demográfico para Washington. Mas no caminho já acontecem situações estranhas: as pessoas a quem pede informação sobre como chegar ao local preferem evitar o assunto. Tudo fica mais estranho ao primeiro contato com o policial da cidade que, à primeira vista, tenta evitar o acesso de Kady ao local, mas vendo ser impossível tal fato, os moradores preferem consumar a situação. Lá, entre entrevistas e fatos estranhos, Kady percebe que a cidade guarda um mistério: sua população há mais de quatro décadas permanece a mesma: 436 habitantes ao total.

O roteiro de Michael Kingston traz a tona a clássica premissa da cidade do interior que, apesar de aparentar tranquilidade, guarda um mistério, muitas vezes mortal. A temática, no cinema de Hollywood, já deu luz a diversos exemplares inesquecíveis, como “O Homem de Palha” (refilmado recentemente com o nome de “O Sacrifício”), assim como outros mais recentes (vide “A Vila”). Não é a toa que se percebe neste atual um sentimento de déjà vu impressionante. O filme tenta explorar a temática, criando personagens superficiais e que acabam não colaborando em criar um elo entre o espectador e o filme, tornando-nos apenas um mero “voyeur” dos fatos que se passam na tela. Enquanto alguns personagens passam sem que sequer nos importemos com o destino deles, outros passam mais despercebidos ainda. É aí que mora a grande falha desta película de pouco menos de 90 minutos. O filme não consegue despertar o interesse no espectador.

Para ajudar ainda mais neste processo de apatia da película (da qual muitas vezes ainda rezamos para que o tempo passe logo), o elenco, formado basicamente por muitos desconhecidos e apenas um nome de maior conhecimento do público, é completamente dispensável. Jeremy Sisto (“Pânico na Floresta”), que era para ser destaque da produção está simplesmente no automático em grande parte da película, embora consiga se destacar nos momentos em que seu personagem precisa demonstrar desespero, mas estes são apenas alguns minutos e o ator volta a cair na mesmice de sempre.

Para tentar salvar esta situação, Michelle Maxwell McLaren assume a direção do projeto. Ela, que apenas tinha dirigido episódios de seriados para a televisão (e que, aliás, continua só fazendo isso), tenta tapar os buracos do roteiro fraco, junto com a atuação fraca dos atores. Mas a sua experiência limitada para a televisão acaba permitindo que utilize-se daquilo que já conhece, ou seja, a história, que em suas mãos poderia ganhar uma fotografia mais suja, um cenário mais tenebroso, segue na linha oposta e se torna uma produção mais voltada para a televisão. Muitas vezes é possível perceber que o filme parece lutar com um tom mais sombrio, mas que infelizmente parece ter que garantir uma censura leve, e por isso aprofundamentos mais perturbadores são simplesmente esquecidos.

Há quem diga que a diretora pode ter optado por trabalhar mais com a realidade dos fatos (não recair nos clichês do gênero, recriando cenários assustadores, mas sim pessoas assustadoras), mas ainda assim ela peca e não consegue aprofundar o lado psicológico do filme. E não é preciso pensar muito para encontrar filmes que tenha trabalhado com o gênero como “Pânico na Floresta”, que consegue criar um ambiente perigoso no meio da floresta, mesmo à luz do dia (aliás, há uma cena muito parecida nos dois filmes, que relaciona através de carros abandonados no meio da floresta, o número de vítimas no local, mas que neste exemplar fica quase risível).

Em “População 346”, o que fica para  espectador é a sensação de que tudo está sobre controle, que não há riscos maiores e que por mais que a situação se torne ruim, o mocinho sempre encontrará a saída. Felizmente, mesmo filmando dois finais para a produção, a escolha do desfecho do filme foi a mais acertada, ainda que esta não altere em nada o sentimento de superficialidade.

Leonardo Heffer
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