X-Men: Fênix Negra – As confusões nos bastidores e as oportunidades perdidas que fizeram o filme fracassar
Erros internos e potencial desperdiçado culminaram na decepcionante conclusão da saga dos mutantes no cinema.
Ao longo de dezenove anos, a série de filmes “X-Men”, produzida pela 20th Century Fox, foi uma das franquias cinematográficas de maior sucesso no mundo. O primeiro longa, “X-Men: O Filme” (2000), deu o pontapé inicial no atual período de dominação das adaptações baseadas em personagens dos quadrinhos nas telonas. A franquia emplacou e, desde o começo, tornou-se um grande sucesso de bilheteria, gerando mais de US$ 5,7 bilhões globalmente.
“X-Men: Fênix Negra” (leia a crítica aqui), atualmente em cartaz, marca o fim da era dos mutantes da Marvel na Fox, depois que, em negócio oficialmente fechado em março, a Disney pagou US$ 71,3 bilhões pela aquisição da maioria dos ativos do estúdio, que, assim como a própria empresa do Mickey, é um dos mais tradicionais de Hollywood. Entretanto, o que poderia ser motivo de celebração pelo encerramento de um ciclo, acabou se tornando motivo de muita frustração. Infelizmente, para a tristeza dos fãs da série, a bilheteria doméstica do longa durante o primeiro final de semana nos cinemas foi consideravelmente baixa, arrecadando apenas US$ 33 milhões, um resultado absolutamente distante das projeções inicialmente realizadas para a sua abertura.
“Fênix Negra” tinha a previsão de ser o último filme dos X-Men (desconsiderando os spin-offs) pertencente à franquia iniciada pela Fox no começo da década passada. Além dessa imensa responsabilidade, a produção era vista como uma espécie de novo caminho a ser percorrido a fim de corrigir o rumo que a série tomara com os problemas enfrentados depois da má recepção de “X-Men: Apocalipse” (2016), episódio imediatamente anterior, que, após arrecadar US$ 200 milhões a menos que seu antecessor, o elogiado “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido” (2014), foi considerado pela Fox como um fracasso. Todavia, mesmo que forças externas tenham influenciado, uma série de novos erros cometidos pelo estúdio – nas pessoas dos executivos Stacey Snider e Emma Watts, e dos produtores Simon Kinberg e Hutch Parker – contribuiu para um outro desempenho aquém do esperado.
Em revelações feitas ao The Hollywood Reporter, fontes disseram que, em uma série de reuniões feitas após “Apocalipse”, os executivos da Fox acreditaram que o insucesso do filme havia sido causado apenas por uma única escolha equivocada: dar aos eventos narrados no longa uma escala de proporções muito exageradas. Dessa forma, uma possível fadiga do público em relação à franquia, embora real, acabou sendo descartada. De acordo com uma fonte com acesso a essas reuniões:
“Houve um sentimento equivocado de que [Apocalipse] era apenas uma anomalia, que nós havíamos entendido errado.”
Kinberg, que nunca havia dirigido um filme na vida, assumiu a direção de “Fênix Negra” após a saída de Bryan Singer da franquia. Singer, por sua vez, além de ter sido o responsável pelos dois filmes imediatamente anteriores, “Dias de um Futuro Esquecido” e “Apocalipse”, ainda comandou, ao todo, nada menos que quatro longas protagonizados pelos mutantes, incluindo o primeiro filme e sua sequência “X-Men 2” (2003), sendo, portanto, o cineasta mais prolífico da série. Assim, o acordo com o elenco, que inicialmente era de apenas três obras – com o contrato passando a vigorar a partir de “X-Men: Primeira Classe” (2011), produção responsável por dar um primeiro reboot na série, até ao próprio “X-Men: Apocalipse” -, terminou sendo prorrogado, com os envolvidos concordando em participar de um derradeiro longa. O grupo inteiro decidiu voltar para dar um fim digno à franquia.
As filmagens de “Fênix Negra” então começaram no final de junho de 2017 e terminaram em outubro do mesmo ano. Mas, durante a pós-produção, Kinberg e a Fox realizaram refilmagens que consideraram necessárias. Devido a um elenco que inclui atores requisitados e com muitos outros compromissos em suas agendas, como os casos de Jennifer Lawrence, James McAvoy, Michael Fassbender, Jessica Chastain e Nicholas Hoult, essas refilmagens tiveram que esperar até outubro de 2018 para terem início. Em seguida, de acordo com várias fontes, as principais refilmagens ocorreram em um espaço de apenas duas semanas, enquanto as cenas dirigidas pela segunda unidade foram rodadas em três semanas, com boa parte dessas gravações acontecendo simultaneamente.
Apesar disso, os executivos da Fox não estavam preocupados com as refilmagens, já que estas são comuns em se tratando de grandes filmes de super-heróis e, por isso, são previstas em contrato. O filme dos X-Men que, até então, havia passado por mais refilmagens fora “Primeira Classe”. A produção, rodada na Geórgia e em Londres, terminou suas filmagens iniciais com o terceiro ato da obra apenas parcialmente completo, pois o diretor Matthew Vaughn sabia que o final inicialmente previsto não funcionaria. Regravações aconteceram meses depois em Los Angeles, com o resultado do filme sendo um sucesso. O único efeito colateral oriundo dessas refilmagens foi uma mudança na data de lançamento, exatamente o mesmo que ocorreu com “Fênix Negra”. A grande diferença é que, no segundo caso, já havia um sinal negativo quanto ao final original, e as refilmagens tentaram se desviar ao máximo possível dessa primeira conclusão.
Pouco antes da estreia de “Fênix Negra”, o ator James McAvoy, intérprete do personagem Charles Xavier, chegou a dizer que todo o desenrolar do terceiro ato do longa havia sido alterado e que a decisão fora tomada após saberem que um outro filme de super-herói, que ele não revelou qual, terminava de maneira similar. Com base em declarações de Kinberg sobre o terceiro ato da primeira versão narrar uma batalha travada no espaço, e considerando que a protagonista da jornada é a telepata Jean Grey (Sophie Turner), uma mulher com poderes cósmicos, é possível supor que ele estivesse se referindo a “Capitã Marvel” (2019).
O interessante é que, essa nova versão de “Fênix Negra” nos cinemas – a história baseada nos quadrinhos já havia sido parcialmente adaptada em “X-Men 3: O Confronto Final” (2006) -, caso fosse trazida às telonas ainda no começo da década, como era a intenção inicial, poderia também ter se parecido com outro filme de super-herói recente, “Capitão América: Guerra Civil” (2016). Isso porque, na trama, que incluiria um crossover entre os mutantes e o Quarteto Fantástico – possivelmente até com Deadpool e Demolidor -, o Tocha Humana destruiria uma cidade ao entrar em combate com o Homem Molécula, e, como consequência, uma legislação, que controlaria os heróis e dividiria os personagens, entraria em vigor. O filme apresentaria, entre outros momentos que qualquer fã da Marvel desejaria testemunhar, uma luta entre o Sr. Fantástico e Wolverine, e uma cena pós-créditos que mostraria a invasão dos Skrulls na Terra – outra semelhança com “Capitã Marvel”. Mas isso tudo acabou sendo deixado de lado pela Fox depois do sucesso de “Primeira Classe”, e o estúdio decidiu por manter a franquia “X-Men” como esta se encontrava. O ponto positivo é que, mais tarde, os irmãos Russo puderam, por meio do MCU, trazer essa história de uma outra forma aos cinemas.
O ator Tye Sheridan, intérprete do Ciclope, durante uma participação no podcast ReelBlend, ainda confirmou que os D’Bari, a raça alienígena que aparece em “Fênix Negra”, originalmente deveriam mesmo ser os Skrulls. O ator inclusive contou como seria a revelação desses vilões:
“Teríamos uma grande batalha no filme, entre Jean Grey e alguns seguranças nas Nações Unidas. Seria revelado na batalha que os guardas eram na verdade os Skrulls.”
Além das necessidades de alterações significativas no corte inicial do longa, os realizadores tiveram que lidar com outro inconveniente: a data de lançamento. No início, o filme tinha estreia agendada para 2 de novembro de 2018. Com a necessidade das refilmagens, a data passou para 14 de fevereiro de 2019. Então, com o marketing a todo vapor, a Fox empurrou a data para 3 de junho de 2019. Inicialmente, o estúdio divulgou que a escolha por essa data visava aproveitar o lançamento do filme na China e, assim, impulsionar um desempenho global mais forte.
Entretanto, fontes disseram ao The Hollywood Reporter que o movimento visava aplacar o descontentamento de James Cameron, o mais importante cineasta da Fox, e suas preocupações quanto ao lançamento de “Alita: Anjo de Combate”, longa do qual foi produtor. De acordo com uma fonte, Cameron percebeu que “Alita” sofreria muito nas bilheterias caso entrasse em cartaz, como inicialmente previsto, no mesmo final de semana que blockbusters como “Aquaman”, “Bumblebee” e “O Retorno de Mary Poppins”. Cameron queria postergar a estreia de “Alita” e, de acordo com essa fonte, venceu a disputa: o longa produzido pelo cineasta canadense teve seu lançamento deslocado para fevereiro, empurrando “Fênix Negra” para junho, algo que, segundo a fonte, Emma, Hutch e Simon imploraram, em vão, que a Fox não fizesse.
Parte do raciocínio dos produtores da saga dos mutantes foi que “Fênix Negra” não fora desenvolvido para ser um filme cuja época ideal de lançamento fosse o período de férias, bastante disputado entre os grandes estúdios na tentativa de encontrar uma boa janela de lançamentos para encaixar seus blockbusters. Em um certo aspecto, ele foi desenvolvido para ser um anti-Apocalipse, no sentido de apresentar uma escala menor de espetáculo visual. De acordo com a fonte dentro da Fox, “X-Men: Fênix Negra” é um filme “grande demais para ficar de fora da temporada, mas muito pequeno para ser lançado no verão.”
Na época da rodagem de “Fênix Negra”, os preparativos para a aquisição da Fox pela Disney estavam em pleno andamento. Com a incerteza pairando no ar, os executivos das áreas de publicidade e de distribuição da Fox estavam sob intensa pressão, ameaçados de serem desligados da empresa caso o negócio, muito provável de acontecer, fosse realmente concretizado. “A campanha foi confusa”, disse um antigo executivo da empresa, que complementou:
“Este era para ser o filme final dos X-Men? Era sobre a volta de um personagem? Este filme simplesmente se perdeu.”
Na comparação com “Vingadores: Ultimato”, o principal lançamento de super-heróis do ano, uma pesquisa interna feita pela Fox em maio mostrou que o longa do Universo Cinematográfico Marvel foi avaliado pelo público como um filme maior e mais importante que “Fênix Negra”, sendo, por isso, o preferido dos espectadores – e isso depois que “Ultimato” já estava em cartaz nos cinemas há pelo menos cinco semanas. Segundo a fonte, a expectativa para “Fênix Negra” nunca alcançou uma pontuação maior que 75 – de acordo com a métrica utilizada pela pesquisa -, enquanto qualquer outro filme anterior da franquia nunca havia colhido uma expectativa inferior a 90.
Após o decepcionante lançamento de “Fênix Negra”, outra fonte chegou a declarar:
“Quando ‘Rocketman’ [a cinebiografia do cantor Elton John] obtém uma recepção maior que um filme dos X-Men, você sabe que está em um território estranho.”
Com o péssimo desempenho do filme logo na abertura, a pontuação baixa dos críticos (22% no Rotten Tomatoes) e uma nota B- no Cinemascore – fatores que, somados, evidenciam uma rejeição total à obra por parte da audiência -, Lauren Shuler Donner, que havia sido uma produtora da franquia em seus melhores dias, escreveu, em tom de deboche ao fracasso de “Fênix Negra”, uma mensagem no Twitter (que depois foi apagada) na qual dava “condolências” aos realizadores do filme e enfatizava o quanto ela mesma não tinha nada a ver com o longa em questão e nem com o vindouro “Novos Mutantes”. De acordo com fontes internas da Fox, produtores dos filmes recentes dos X-Men responderam em tom de ironia à provocação de Donner, dizendo que a afirmação da produtora era mesmo verdade, afinal ela não tinha mesmo nada a ver com os sucessos de “Logan” (2017), “Deadpool” (2016) e “Deadpool 2” (2018), obras em que ela só recebeu crédito de produtora devido a generosos termos contratuais. Donner, segundo as fontes internas da Fox, não esteve envolvida nos filmes dos X-Men desde que, por “diferenças criativas”, deixou a produção de “Dias de um Futuro Esquecido”.
Enquanto isso, um executivo da Fox afirmou, em relação à fusão entre o estúdio e a Disney:
“Se a fusão não acontecesse, as pessoas estariam clamando para a Fox fazer o que a Sony fez em relação ao Homem-Aranha, ou seja, pedir ajuda à Marvel [Studios].”
“Fênix Negra” não é, tecnicamente, o último filme dos X-Men feito pela Fox. O já citado “Novos Mutantes”, que também vem sofrendo com as inúmeras alterações de data de lançamento, está, no momento, definido para estrear nos cinemas em abril de 2020, mas especulações indicam que seu lançamento poderá ser realocado para o futuro serviço de streaming Disney+.
Quanto aos X-Men tradicionais, que o público, por tanto tempo, acostumou-se a apreciar nas telonas, há uma quase certeza de que essa valiosa propriedade intelectual da Marvel Comics será revivida nos cinemas pelo Marvel Studios, pelas mãos de seu presidente Kevin Feige, embora seja muito provável que isso demore alguns anos para acontecer. Com base nisso, um produtor da franquia chegou a dizer:
“Não há pressa para trazer os X-Men de volta ao mercado depois disso [‘Fênix Negra’]. E quando eles voltarem, estenderão a corrida da Marvel por outros 10 anos.”
Apesar da surpresa com o pífio desempenho de “Fênix Negra”, Paul Dergarabedian, analista sênior de bilheteria do Comscore, afirmou algo muito importante e verdadeiro a respeito do potencial da franquia X-Men, e de quanto ele ainda pode ser explorado em futuras produções:
“Nunca desista de uma franquia que tem sido tão boa, tão onipresente e tão influente. Tenho certeza que ainda há mais por vir.”
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