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OPINIÃO   quinta-feira, 23 de maio de 2024

X-Men ’97 (1ª temporada, Disney Plus): superando todas as expectativas

Continuação da animação clássica captura a essência dos X-Men (e dos quadrinhos) e destaca o melhor deles como nenhuma outra adaptação antes conseguiu.

Trazer os X-Men e os mutantes para o MCU passou de um sonho distante para uma questão de tempo. Enquanto muitos especulam sobre como a Marvel vai introduzir o grupo em seu universo cinematográfico, “X-Men ’97” chegou sem pompa como uma sequência de uma animação clássica e que deveria, no máximo, preencher o catálogo do Disney Plus apelando para a nostalgia do público mais velho. Porém, era difícil prever que os dez episódios dessa nova obra se tornariam uma das melhores adaptações de quadrinhos já vistas.

Longe dos recentes longas formulaicos e das séries experimentais do MCU, com “X-Men ’97” a receita foi bem mais simples: trazer a trama e a estética da animação consagrada com uma dose de modernização focada no público de hoje. Ainda que não seja obrigatório conhecê-la, o ponto de partida é exatamente onde a obra anterior parou: a morte do Professor Charles Xavier. Seu assassinato deu origem a uma onda de apoio aos mutantes nunca antes vista, embora grupos de ódio radicais continuem lutando contra eles. Para surpresa de todos, o testamento do professor “deixa” os X-Men para o eterno amigo e rival, Magneto, causando discórdia entre o grupo.

Esse upgrade proposto na nova produção é visível tanto no traço do desenho, que agora conta com uma altíssima definição, quanto no roteiro, que busca trazer novamente os mutantes para um lugar de destaque na cultura pop. Para atingir esse objetivo, o produtor Beau DeMayo fez o oposto de Kevin Feige com o MCU. Ao invés de introduzir cada personagem importante cuidadosamente e uni-los no futuro, o showrunner abraçou a loucura dos quadrinhos e juntou vários arcos famosos da franquia em uma narrativa única. DeMayo mostrou confiar que a presença dos mutantes no zeitgeist era suficiente para o público não se perder nas narrativas ágeis e no entra e sai de personagens. A consequência disso são algumas subtramas aceleradas demais, tanto pela duração curta dos episódios quanto pela distância delas do fio principal. Mas até essa pressa contribui para criar um senso de urgência que se encaixa perfeitamente na rotina do grupo: eles não têm um único dia de paz.

Apesar disso tudo, o maior mérito de “X-Men ’97” é encontrar um equilíbrio entre a narrativa política, tão intrínseca à natureza dos mutantes, com os dramas pessoais dos personagens, afinal, tratam-se de uma grande família disruptiva. Por um lado, discussões sobre tolerância, discriminação, supremacismo e genocídio são escancarados à plena vista, em um esforço para afastar de vez qualquer um que ainda insista em negar a existência do debate sociopolítico nas histórias dos X-Men. Do outro, há vários núcleos de personagens com relacionamentos conturbados entre si, tal qual uma grande novela, mas que funciona para desenvolvê-los e também criar conexões com o público. Um sacrifício específico de um certo mutante já é poderoso o bastante quando colocado no contexto do seu heroísmo ao salvar muitos outros. Mas ver o impacto dessa perda na pessoa que o amava é ainda mais devastador.

Por fim, a obra ainda resgata o significado real de uma adaptação de quadrinhos, se distanciando do subgênero que a própria Marvel tanto sustenta e ainda lucra (hoje menos) com ele. DeMayo abraça as roupas coloridas, dá importância aos plots malucos de clonagem ou vilões de videogames e, acima de tudo, mostra paixão pelo material original. É evidente que logo teremos a chegada dos mutantes nos live-actions do MCU. Contudo, “X-Men ’97” parece já ser o casamento perfeito entre forma e conteúdo que esses personagens merecem.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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