Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Os Simpsons – O Filme (2007): uma divertidíssima aventura

Com "Os Simpsons" no ar há tanto tempo, era bastante preocupante se essa versão em longa-metragem da popular animação iria manter o nível dos melhores episódios da série. Felizmente consegue e a família mais conhecida da TV nos presenteia com um filme extremamente divertido!

No ar há um pouco mais de dezoito anos, a série animada criada por Matt Groening “Os Simpsons” foi pioneira em muita coisa. Sendo um dos primeiros shows a realmente “pegar pesado” com a família americana, é incrível que, em certo ponto, tornou-se uma tradição estadunidense assistir ao programa. O que realizou este feito? O carisma dos personagens (principais e secundários) e a gama de confusões na qual a amarelada família, juntamente de seus amigos, vizinhos, conhecidos e animais de estimação, conseguia se meter, sempre da maneira mais inusitada (e ácida) possível. Sua adaptação para o cinema se beneficia do fato de que já conhecemos tão bem tais personagens que eles realmente não precisam ser apresentados novamente para nós, pulando diretamente para a ação neste primeiro longa para o cinema da franquia. Com este filme, porém, surgem as seguintes questões: precisávamos de uma película dos Simpsons? O que deveria ser contado no cinema que não conseguiria ser mostrado na telinha? A própria fita responde, quebrando um paradigma logo de cara. Já fui chamado de “idiota” indiretamente por muitos filmes, mas é a primeira vez que um personagem da tela se levanta, aponta o dedo para mim e diz isso com todas as letras. O mais irônico disso foi o fato de tal colocação ter sido feita por ninguém menos do que Homer Simpson, o mais adorável dos imbecis… Já estou fisgado!

Seguindo a tradição da série, a trama começa nos mostrando algo para mudar completamente no meio. É um final de semana aparentemente normal em Springfield – inclusive com o falecimento de uma banda de rock por lá, levado na esportiva pela cidade – e lá se vai nossa família favorita passar mais uma manhã de domingo na Igreja, apesar dos protestos de Homer. Tudo corria na santa paz, até que o vovô tem um pequeno “ataque” e profetiza que um verdadeiro apocalipse vai acontecer no pacato município. Ninguém fora Marge dá muita atenção ao idoso – nem mesmo o próprio ancião – e todos os outros membros da família continuam a viver suas rotinas, com Homer e Bart vivendo problemas e situações “típicas” dessa peculiar relação entre pai e filho, enquanto Lisa se envolve com um interesse amoroso e com o problema da poluição do lago local (que faz o Tietê parecer limpo) e Maggie, bem, chupando sua chupeta. Quando Homer dá mais uma lição de paternidade após um concurso de desafios com Bart, além de perder o pouco respeito de seu filho, ele se encanta por um porco que aparece em seu caminho. Este fato, aparentemente sem importância, causará um verdadeiro colapso ecológico em Springfield, graças a uma burrice de proporções inacreditáveis do chefe da família Simpson, levando o presidente Arnold Schwarzenegger (que, infelizmente, não foi dublado pelo próprio ator/político) e o megalomaníaco chefe da agência de proteção ambiental Russ Cargill a tomarem uma medida extremamente exagerada, no melhor estilo do partido republicano, em relação à cidade. Apesar da história mirabolante, a ênfase do filme é na família, especialmente no plot principal – o de Homer tentando salvar a cidade e reconquistar o respeito das pessoas que ama – e em duas das subtramas principais, a de Bart e sua relação com o pai e o desapontamento de Marge com seu marido.

Uma das grandes virtudes do filme é que este, em momento algum, se leva a sério ou tenta ser mais do que é: um episódio anabolizado da série. Justamente pelo contrário, a produção afirma desde o início que o que vamos assistir é apenas mais um história daqueles personagens já tão familiares. Entretanto, existe uma vantagem na versão cinematográfica: ela é um tanto mais pesada que a da TV. Bart pelado? Confere. Piadas sexuais? Estão lá e incluindo uma envolvendo um personagem bastante improvável. Celebridades sendo zoadas? Além do “presidator”, todo mundo diga “oi” para o Tom Hanks! Até mesmo drogas aparecem durante a projeção, oras! O filme consegue divertir e muito aos que são fãs de carteirinha dos personagens. A vantagem de já ir sendo intimo da série é que você já sabe que Homer sempre aprontou todas com o coitado do Ned Flanders, o que torna mais surpreendente que Bart acabe vendo neste uma figura paterna, além de entender por que diabos tem uma ambulância destruída na garganta de Springfield. Já aqueles que não conhecem aquele universo podem ficar um pouco perdidos, mas nada que comprometa a diversão.

Os personagens estão todos muito bem caracterizados. Como força motora do longa, é meio óbvio que Homer é o enfoque principal da fita. Atrapalhado e abobalhado ao extremo, o simpático personagem tem suas várias falhas, mas conquista a todos com suas tentativas de acertar e em seus vários momentos engraçados com o porco (que geram boas piadas com alguns sucessos destas férias no cinema). Enquanto a relação complexa entre ele e Bart – e a deste com Flanders – ganha destaque, o que me conquistou foi a relação entre Homer e Marge, mais explorada na segunda metade do filme, que realmente vai a fundo nos sentimentos do casal. Já a trama de Lisa realmente não chama muito a atenção, apesar de ser ela quem alerta para o que viria a ser o grande problema enfrentado pelos habitantes de Springfield. Enquanto isso, a pequena Maggie continua lá no canto com suas aparições pontuais, sempre bem vindas. Dos personagens coadjuvantes, o grande destaque vai para o generoso e cristão Ned Flanders. Ele pode ser um tanto chato de quando em vez, mas sempre está por perto para dar uma mão para seus vizinhos, mesmo que Homer sempre acabe zoando com o coitado. Já quanto ao vilão do longa, Russ Cargill, apesar de possuir ótimas falas (“Já tentou enlouquecer sem poder? É chato!”) não cativa muito a audiência, parecendo que seria bem mais divertido usar neste posto o icônico Sr. Burns – que tem apenas duas cenas de destaque, ambas ótimas. É realmente uma pena que os demais integrantes do “elenco” da série não participem tão a fundo do longa, mas é entendível já que ficaria impossível dar o devido destaque a cada um deles. Porém, todos eles (ou pelo menos quase todos) realmente aparecem durante a projeção e dão o seu “alô” para o público.

Em seus aspectos técnicos, o filme está bastante apropriado para o que se propõe. O diretor David Silverman (“Monstros S.A.) acertou em não querer colocar grandes recursos na tela, mantendo àquele universo familiar ao espectador habitual da série no filme. A animação é bastante fluida e o uso de efeitos digitais é bastante moderado, lembrando muito outra criação de Matt Groening, “Futurama”. A ótima trilha sonora de Hans Zimmer além de aproveitar o clássico tema da série criado por Danny Elfman, possui vários outros temas marcantes, com destaque para a cena da epifania de Homer, simplesmente sensacional. Por falar no tema de abertura da série, ficou adequada a versão rock n’ roll deste feita pela banda Green Day. Já a edição do longa, feita por John Carnochan (“A Era do Gelo”), jamais deixa que a película perca o ritmo, sempre mantendo o espectador dentro do filme.

Contando com um texto que fora revisado 158 vezes (mesmo) e contando com o superlativo número de 15 (!) escritores, entre roteiristas principais e assistentes, é incrível que a fita tenha uma história tão redonda e amarrada, mostrando a integração e o empenho dessa equipe de criação. O resultado é uma divertidíssima aventura dos Simpsons, do nível das primeiras e clássicas temporadas da série que, realmente, merecem o sucesso que está fazendo.

Observação: nem pense em se levantar da cadeira quando os créditos começarem a subir! Algumas cenas bem divertidas estão espalhadas por entre os nomes dos profissionais envolvidos na produção!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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