Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 01 de abril de 2007

300

O tão esperado "300" chega aos cinemas como um espetáculo visual que chega até a disfarçar os pontos negativos da trama, porém não deixa de ser exagero toda a expectativa e publicidade que o filme tem recebido. De qualquer forma, "300" apresenta-se bem seguro e convincente de seus acontecimentos, mito ou não.

Adaptado da minissérie de quadrinhos criadas pelo adorado Frank Miller ("Sin City") em parceria com Lynn Varley, o longa se ambienta em 480 a.C., quando o rei espartano Leônidas reuniu seu exército em Termópilas na tentativa de conseguir bloquear a passagem de guerreiros persas que, mesmo em maioria, não conseguiriam resistir à estratégia usada pelos espartanos de usar um desfiladeiro perto do mar como armadilha. A estratégia teria sido bem-sucedida não fosse um traidor que revelou aos persas um atalho que possibilitou um ataque devastador pelos flancos. Mesmo assim, Leônidas decidiu resistir até o final, juntamente com sua guarda de elite, os 300, resultando em uma das mais heróicas batalhas da história, onde foi derramado muito sangue e uma forte ideologia foi defendida.

Vale ressaltar que esta crítica pretende analisar o filme como produção cinematográfica, não como adaptação dos quadrinhos, até porque não os li, o que acredito que muitos espectadores que viram o filme também não o fizeram. Sem muito fanatismo pela história, ou pelo criador, ou até mesmo pelos quadrinhos, a visão apresentada aqui será bastante objetiva. Todo o alarde criado com a chegada do longa cuja publicidade acertou em cheio em torná-lo um produto comercial pop é até compreensível, porém seu exagero é inegável. Aposto que muitas das pessoas que assistiram a "300" talvez nunca tivessem ouvido falar de Frank Miller ou até mesmo do enredo, e certamente devem estar louvando a produção após assisti-la, o que é bastante compreensível, já que possui fortes atrativos que têm justificado todo o sucesso mundo a fora. Ao final da exibição, fiquei particularmente satisfeito em ter achado o filme digno de elogios, mas é impossível também não apontar seus deprimentes erros que talvez possam até passar despercebidos, visto toda a competência visual presente nas duas horas de projeção.

Adaptado por Zack Snyder, também diretor, juntamente com Kurt Johnstad, "300" segue alguns arquétipos que felizmente não atrapalham o desenrolar da trama. Mostrando a virilidade dos espartanos, a constante nudez dos protagonistas reforça a idéia de masculinidade e apelam até para um erotismo vulgar, mas logo em seguida dá margem para que uma ideologia regada a violência e muito sangue, junto com momentos de êxtase e puro delírio. Conseguindo mexer com diversas sensações, do humor ao melodrama, "300" mostra-se incomparável em seu aspecto técnico e no tratamento da sua película, sempre mostrando cores como o sépia e usando para os momentos sombrios a iluminação e contrastes certos. Além de uma boa direção de arte, deve-se observar também a felicidade de conseguir lidar com os recortes possibilitados pelo kroma key durante toda a projeção, criando cenários convincentes e imagens belíssimas. A opção por um cenário digitalizado acabou tendo suas desvantagens, como a perda de profundidade de campo em diversas cenas nas quais seriam melhor registradas com uma clareza mais particular das imagens, ou até na montagem seqüencial das lutas ou na relação de Leônidas com o gigante Xerxes. Este último caso talvez tenha sido o mais desagradável, já que infelizmente não passou as verdadeiras dimensões dos personagens, criando uma dupla camada visível nas cenas.

Repleto de efeitos visuais de primeira classe e de uma fotografia particularmente agradável e sensata, Snyder conseguiu fazer de "300" bastante fiel ao estilo original dos quadrinhos de Miller, visto que apela para ângulos bem precisos e jogos de câmeras sensacionais. A sacada de Snyder em usar a slow cam e a paralização de diversas imagens durante as batalhas acaba dando uma maior emoção aos momentos, apesar de acabar caindo na previsibilidade da repetição de sua forma, o que poderia ter sido esteticamente contornado. Porém, é preciso congratular momentos visuais únicos como a dança erótica e mística do Oráculo, representado por uma ruiva parda e seus véus sensuais, e até na saída em registrar a cena de sexo entre Leônidas e sua rainha Gorgo. Por mais que Snyder tenha tentado dar uma sensualidade no poder feminino, fica óbvia a inferiorização da mulher (assim como o dos homens diferentes dos estereótipos de bons guerrieiros, ou seja, feios, pouco másculos ou resistentes), o registro composto por fades e fotografias belíssimas do acasalamento são colírio para os olhos e tiram a vulgaridade de um ato que poderia ter caído na brutalidade da personalidade brutamonte dos espartanos. Além dessa sensibilidade clínica, Snyder dispõe de lutas bem coreografadas, porém cai na repetição dos planos das batalhas do exército e se alonga em algumas delas. Mesmo assim, é inesquecível a sensação dada aos planos abertos que mostram a árvore ou a muralha de corpos bem diante dos exércitos. Como se não bastasse, os espirros de sangue e a reprodução do mar e da chuva estão de acordo com a perspectiva da trama, apesar desta última ironicamente não molhar os personagens.

Sem a intenção de mostrar um registro histórico, "300" acaba tendo uma liberdade maior para inovar em algumas estratégias de batalha e da trama em si, como a criação da subtrama vinda da rainha Gorgo, que tenta obter apoio à Câmara para mandar reforços para seu marido na guerra, porém mostra-se irrelevante e quebra o sentido da narrativa principal que, por sinal, também não leva muito em consideração explicações simples de algumas ações. A arrogância de Leônidas, pouco é justificada e desmistificada com a rendição final de seus sentimentos pela família, porém não causa grande comoção, já que o roteiro não apela a uma identificação entre o espectador e os personagens, o que por uma parte é benéfico quando torna-se necessário se desfazer de algum deles, mas ao mesmo tempo dá uma sensação de impiedade, principalmente de Leônidas, já que este mistura sua dignidade de guerreiro com sua ignorância pessoal e é difícil dissociar em alguns momentos o que move sua ambição. Nenhuma outra atuação é tão relevante à trama, assumindo uma postura uniforme. A trilha sonora revigora as batalhas e é parcialmente agradável, já que em alguns momentos o toque contemporâneo da trilha é dispensável e quebra a condução dos fatos.

Com uma estética correta e prazerosa para a adoração do público, "300" é apenas competente no que faz. Sem muitas exigências ou fanatismo, a produção consegue agradar e alguns dos seus erros podem ser maquiados por sua excelência visual, além de dar uma nova caracterização para o registro das lutas e na criação do ambiente onde a história se passa. "300" é um exemplo claro do cuidado e preparo dos produtores, roteiristas e do diretor em serem detalhistas e se preocuparem com a composição global de cada imagem. Mesmo que não seja um exemplo a ser seguido por Hollywood, certamente é uma das melhores opções atuais e deve se manter no tópico de bilheteria por um bom tempo. E um aviso: controlem a euforia ao vibrar com as cenas de lutas, gritos e sussurros; não é nada agradável querer prestar atenção na projeção e ter alguém gritando e conversando na fila de trás, sem se tocar que está atrapalhando a exibição. Deu até vontade de pegar uma das espadas do filme e fazer bom uso dela na vida real! Fica o conselho.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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