Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 01 de abril de 2007

300

Um espetáculo visual, um colírio para os olhos, uma sinestesia de cores! Cada cena de "300" parece ter sido cuidadosamente pintada à mão, dando ao filme o caráter de uma verdadeira obra de arte.

Os fãs da obra de Frank Miller que me perdoem, mas não acho que "300" (falo aqui dos quadrinhos originais) seja um bom exemplar desse gênero literário. Apesar de ser bonita visualmente, a história criada por Miller conta com um argumento fraquíssimo e extremamente decepcionante. Por sorte, o mesmo não aconteceu na adaptação para o cinema, que conseguiu, em parte, corrigir os erros de sua fonte original. Esse mérito certamente se deve à competentíssima direção de Zack Snyder, que conseguiu dar fluidez as cenas de batalha e uma "alma" aos personagens, até então vazios.

O filme gira em torno da famosa batalha entre espartanos e persas, ocorrida em 450 a.c. Leônidas, o rei de Esparta, deve conter a ameaça do domínio persa, que se encontrava em ampla distribuição através do mundo. No entanto, o maior perigo ao Estado espartano encontrava-se em seus antigos costumes e tradições. Os éforos, altos sacerdotes, eram homens corruptos e que detinham sobre o povo a influência do poder religioso. Devido a aproximação do período da Carnéia, os éforos, após uma consulta ao oráculo, não autorizam a reunião do exército espartano, para que a paz seja guardada durante esses dias sagrados. Evitando a insatisfação popular, o rei Leônidas reúne um grupo de 300 soldados e parte rumo ao desfiladeiro, conhecido como as termópilas, para enfrentar o enorme exército oriental liderado pelo rei Xerxes.

Graças à famosa tecnologia do "fundo azul", a Grécia antiga ganhou ares extremamente verossímeis através do excelente trabalho de computação gráfica realizado pela equipe técnica de "300". A cada cena, parece que estamos a frente de um quadro onde podemos perceber que cada cor foi cuidadosamente realçada, e cada movimento delineadamente coreografado pelo seu criador. Esse aspecto pode ser facilmente observado na magnífica cena em que Leônidas enfrenta vários inimigos ao mesmo tempo em um incrível espetáculo de sucessão de imagens. Mas o ápice visual e artístico do filme acontece mesmo durante a consulta ao oráculo, quando vemos uma belíssima e prazerosa combinação de movimentos e cores, criando um efeito visual deslumbrante. "300" é certamente uma obra a ser apreciada.

Ao contrário de "Sin City", este filme não é uma adaptação fiel aos quadrinhos de Frank Miller. Mas, ao invés de se tornar um ponto negativo, as alterações feitas no enredo conseguiram contrabalançar a ação frenética presente nas batalhas, dando uma pausa para que a história se desenvolvesse melhor. Neste sentido, a sub-trama envolvendo a Rainha Gorgo tornou-se algo extremamente benéfico para o longa, dando aos personagens uma oportunidade de criar um vínculo maior com o espectador, corrigindo aqui uma grave falha dos quadrinhos originais.

Outro contraponto à obra criada por Miller, está no caráter mítico adotado no filme de Snyder. Quando nos quadrinhos os éforos surgem como criaturas deformadas pela lepra, o "300" cinematográfico opta por omitir essa informação ao espectador, dando aos personagens um caráter inumano. Esse fato se repete diversas vezes, quando criaturas bizarras surgem na tela (incluindo um ser com cabeça de bode). Alguns fãs podem condenar o abandono do caráter mais realístico da história, mas "300" ganha aqui um ar legendário, como podemos encontrar nos legítimos épicos gregos.

Outro destaque do filme são as excelentes atuações. O ator Gerard Butler é sem dúvidas a grande revelação do filme, conseguindo passar através de seu olhar toda a força e rudeza de um rei espartano. O elenco, formado em sua maioria por nomes desconhecidos, dá um show de interpretação. A única restrição fica mesmo por conta da atuação de Rodrigo Santoro. Certamente é uma honra para nós brasileiros vê-lo participar de uma produção tão grandiosa como esta, e todos nós sabemos que se trata de um excelente ator. No entanto, Santoro exagera na composição de seu personagem, fazendo com que Xerxes apareça como uma figura extremamente desengonçada e afeminada. O rei persa com certeza era uma figura exótica, mas o brasileiro termina por dar um visual caricatural para o personagem, fato reforçado pelo tom grave de sua voz remasterizada.

Apesar de os diálogos serem recheados de clichês, estes são perfeitamente justificáveis, afinal de contas não se faz um épico sem frases de impacto. Enfim, "300" certamente não se trata de um filme genial do ponto de vista narrativo. Mas neste caso os diálogos têm pouca importância, quando temos diante de nós tão belas imagens. Estamos diante aqui de um grande filme, que vale a pena ser conferido.

Diego Coelho
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