Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 26 de março de 2007

Deu a Louca em Hollywood

Sabe o pôster desse "Deu a Louca em Hollywood"? Ele possui a seguinte frase: "Com um elenco desses, só podia ser uma grande piada". Só esqueceram de dizer que a tal piada é completamente sem graça. Jogando quase mil gags por hora na cara do espectador, o filme consegue fazer rir em umas três ou quatro e olhe lá.

É incrível a crise criativa que ocorre hoje em dia em Hollywood. Se, antigamente, os filmes-sátira eram realmente ácidos e inspirados, sabendo exatamente em quais clichês e situações-chave pisarem em relação aos originais, hoje em dia só servem para meramente repetir cenas dos filmes satirizados, fazendo piadas óbvias (e de flautulência, é claro). Diabos, se isso se aplica até a David Zucker, um dos expoentes máximos do gênero em seu auge (vide o clássico "Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu!"), imagine para os realizadores (ir)responsáveis pelo tenebroso "Uma Comédia Nada Romântica", que agora lançam esse "Deu a Louca em Hollywood", provando de vez que nada está tão ruim que não possa piorar.

Apelando para todos os sucessos – e outros, nem tão sucesso assim – recentes (e digo TODOS MESMO), o filme começa contando a história de 4 órfãos: Lucy (Jayma Mays), que fora criada pelo curador de um museu (David Carradine), assassinado por um albino que se auto-flagela o tempo todo; Edward (Kal Penn), criado num orfanato mexicano dirigido por um padre "luchador"; Susan (Faune A. Chambers), órfã criada sozinha que está indo de encontro a sua nova família num avião com algumas serpentes a bordo, e Peter (Adam Campbell), que estuda num colégio mutante, apesar de seu único poder ser um covarde ("franguinho", como diria Marty McFly). Os quatro encontram um bilhete dourado que lhes leva para a fábrica de doces do esquisitíssimo Willy (Crispin Glover). Eventualmente, eles acabam entrando em um guarda-roupa mágico e vão parar na terra de Gnarnia (com esse "G" para "evitar complicações legais"), onde eles encontram o casal gay (?) formado por um fauno e um castor falante (Héctor Jiménez e Katt Williams) e devem enfrentar a mãe do Stifler, ops, a Rameira Branca de Gnarnia (Jennifer Coolidge), depois de treinarem com Harry Potter e seus amigos (onde estão os advogados da Warner quando se precisa deles…) e sendo guiados pelo não tão leão Aslo (Fred Willard) – numa das poucas piadas engraçadas, mas que pouca gente vai entender.

O grande problema é a falta de originalidade das piadas. Quase nenhuma delas pega no pé dos flmes, se limitando a reproduzi-los de uma maneira que os realizadores julgaram "engraçada". Não sei vocês, mas, para mim, a graça de filmes de sátira deve vir da sua falta de pudores em, por falta de termo melhor, "sacanear" a própria indústria cinematográfica e ainda ser parte dela. O filme não possui vontade ou direção próprias, dependendo e MUITO do conhecimento prévio do espectador sobre os filmes que estão sendo satirizados para ter alguma graça. Além disso, o filme não possui senso de coerência interna. Não peço que o filme faça sentido do modo clássico, mas para que seja escrito de um jeito que pelo menos os personagens possuam alguma noção do que está acontecendo. Exemplificando: como os mutantes foram parar em Gnarnia e desde quando eles eram ameaçados pela Rameira Branca? Tá certo que se trata de um filme de sátira, mas ainda assim, se trata de um filme e um mínimo de lógica na hora de escrever o roteiro seria bom!

Sobre as atuações, o quarteto principal até que tenta e possui alguma química. Destaco Jayma Mays, que em sua meiguice e cara de, bom, lesada, ainda podem lhe render bons papéis (o que ocorreu em sua curta estada na série "Heroes" e pode acontecer no cinema, se ela parar de querer ser Anna Farris) e Kal Penn, que tem realmente um certo timing cômico, mas que está em sua segunda bomba em menos de um ano (ele protagonizou o horrível "O Dono da Festa 2"). Jennifer Coolidge faz seu papel básico, se limitando a repetir seus trejeitos da série "American Pie", onde fazia a "mãe do Stifler" (algo que, com certeza, foi pedido pelos diretores do filme e acaba "engessando" a atriz). Já o resto dos atores fica apenas de passagem durante o filme, mas devo aqui citar dois que realmente doeram de ver em cena: David Carradine e Crispin Glover. Ambos são excelentes atores e, por Deus, o que Bill ("Kill Bill") e George McFly ("De Volta Para o Futuro") estão fazendo aqui?! A conta de luz de ambos devia estar muito atrasada…

A direção da dupla Jason Friedberg e Aaron Seltzer (que também escreveu o assim chamado "roteiro") é tudo, menos original. A exemplo de seu trabalho no seu filme anterior "Uma Comédia Nada Romântica". Os dois se limitam a imitar os mesmos planos e as mesmas angulações dos filmes que aos quais eles "prestam homenagem", não sabendo criar um ritmo para seu filme (que, apesar de extremamente curto, parece muito mais longo do que realmente é), embora isso também tenha um quê de culpa do editor do filme (se bem que ele não deve ter tido um bom material para trabalhar). Apesar disso, dou os parabéns para a direção de arte do longa-metragem, que conseguiu recriar muito bem vários dos cenários e dos objetos de cena dos filmes reproduzidos (apesar do orçamento apertado) e para o pessoal da seleção do elenco, já que conseguiu encontrar atores que realmente parecem com as celebridades que estão sendo satirizados na tela (principalmente o "Samuel L. Jackson" e a "Paris Hilton"). Bom, alguma coisa tinha que se salvar.

Infelizmente, o público parece gostar desse tipo de filme, que sempre se paga na bilheteria, inevitavelmente gerando mais exemplares do gênero, com a mesma qualidade duvidosa. Poderia dizer que esse é, desde já, um forte candidato a pior filme do ano, mas – para o azar de todos nós – pode ainda ser cedo para afirmar isso.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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