Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 24 de março de 2007

Número 23

Com um potencial interessante, "Número 23" poderia possuir uma trama bem mais envolvente do que a apresentada em seu desenrolar. Todavia, a repetição de fatos apresentados no decorrer do filme parece subestimar a inteligência do espectador, que fica impaciente para que o longa-metragem termine logo.

Joel Schumacher é conhecido por sua inconstância em relação à qualidade de seus filmes. As vezes, o diretor realmente consegue surpreender o público ao dirigir projetos cinematográficos significativos como "O Fantasma da Ópera", "Garotos Perdidos" e "Por Um Fio", no entanto, também possui em seu currículo algumas produções sofríveis, a exemplo de "Batman & Robin". Portanto, torna-se bastante difícil saber o que esperar à respeito de um longa-metragem desenvolvido por ele. Com um pouco de receio, confesso que aguardava que "Número 23", seu mais novo trabalho, fosse um thriller inebriante, tenso e capaz de tirar o fôlego da maioria dos espectadores. Infelizmente, praticamente tudo o que pensava acerca do filme estava incorreto.

A história tem como base a intensa paranóia do personagem principal sobre o número 23, fato que poderia até ser interessante se fosse bem desenvolvido. Na trama, Jim Carrey interpreta Walter Sparrow, um homem cujo trabalho consiste em recolher animais sem donos das ruas e marido de Agatha (Virginia Madsen), com quem tem um filho, chamado Robin (Logan Lerman). No dia de seu aniversário, Sparrow se atrasa para o encontro com sua esposa devido a um fato inesperado com um cão. O atraso faz com que a mulher se interesse por um livro encontrado em uma livraria. Ela, então, logo compra o exemplar para presentear o seu esposo. Intitulada "O Número 23", a obra traz a obsessão de um sujeito pelo número citado e como a sua vida passa a ser regida por essa paranóia. O mais inusitado é que várias passagens do livro são capazes de reproduzir a vida de Walter, fazendo com que ele também se torne obcecado pelo número 23 e passe a percebê-lo em vários fatos de seu passado e presente. O detetive Fingerlind, o personagem principal do livro, encontra uma conexão do 23 com um suicídio, o que faz com que Walter comece a suspeitar que o autor da obra literária pode ter assassinado alguém na vida real.

A premissa de "Número 23" é bastante interessante. Baseada mais em uma paranóia sob a qual gira a vida do protagonista, a trama tinha tudo para tornar-se envolvente à medida que mais fatos, envolvendo os algarismos, fossem descobertos. No entanto, a história não encontra a plausibilidade necessária para fazer com que seja inebriante a ponto de deixar os espectadores ansiosos. Primeiramente, o roteirista Fernley Phillips faz uso de diversos exemplos para estabelecer uma relação paranóica do público com o número 23. Acredito que realmente isso fosse necessário para um melhor desenvolvimento da narrativa, porém o exagero é demais. Se fossem várias situações complexas, seria mais compreensível o auxílio de tantas ligações. Como não é o caso, aparenta apenas que o roteiro optou por subestimar a inteligência do espectador devido à presença de tantos exemplos. Também, algumas vezes, são estabelecidas conexões entre os dias e os números dos meses, fazendo com que seja formada a combinação desejada. Quando isso acontece, ótimo. Todavia, quando o dia já parece ser o 23, simplesmente esquecem do mês que vem acoplado a ele. Estranho, não?

Um dos pontos altos do filme trata-se da inversão entre o mundo "real", habitado por Sparrow, e o mundo do livro. Na maioria das vezes, o uso de uma fotografia mais sombria quando o foco é apenas Fingerlind é bem utilizada, fazendo com que a atmosfera pesada e de suspense que envolve a história por trás da obsessão seja ressaltada de uma maneira desejada. Também foi essencial para que o público diferenciasse uma história de outra, já que os atores eram os mesmos, embora a caracterização fosse diferente. Por falar na caracterização, esta ajudou para fazer com que os atores conseguissem de uma maneira mais convincente sair de seus respectivos personagens, fazendo com que o público os aceitasse de melhor forma.

O grande erro do filme, no entanto, está na condução de Schumacher. O cineasta faz com que o longa-metragem ganhe um clima repetitivo, já que seu roteiro cai em vários clichês, além de não conseguir abordar de maneira exata o potencial de suspense da trama. Ao optar por fazer uma intensa explicação, o diretor acaba fazendo com que a história caia na mesmice e não seja envolvente, causando um certo desconforto no espectador. Além disso, em seu final, o projeto peca por cair em clichês básicos do estilo e ainda envereda para um lado mais dramático, na tentativa de conquistar mais espectadores satisfeitos com o desenrolar da história. Até nota-se que, devido a alguns filmes, Schumacher possui talento, mas nem sempre consegue fazer com que este transpareça. Ao mesmo tempo em que dota o projeto de uma atmosfera entediante, esse aspecto pode ser ajudado a ser esquecido com o auxílio da trilha sonora, em sua maioria tensa e responsável por um envolvimento maior de atenção.

Jim Carrey, ao compor o personagem principal, encontra-se correto apenas. É notável que o ator é mais conhecido por suas comédias como "Máskara" e "Ace Ventura", no entanto, ele vem cada vez mais desvinculando à sua imagem de filmes deste estilo, partindo para dramas como "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças" e "O Show de Truman". Agora, "Número 23" é o seu primeiro thriller e Carrey consegue fazer de Sparrow/Fingerlind um papel repleto de medo e obsessão, que podem ser vistos em seus olhos. Já Virginia Madsen, ao interpretar a esposa do protagonista, nada mais faz do que embelezar as cenas em alguns momentos. Ao passo que Logan Lerman, o filho do casal, mais conhecido por interpretar Ashton Kutcher quando criança em "Efeito Borboleta", também apenas serve para auxiliar Carrey em cena.

No fim, fica a sensação de que "Número 23" realmente mexe com a nossa cabeça, todavia, se formos parar para pensar melhor, veremos que não passa de um divertimento vazio. Com um potencial interessante, o filme poderia possuir uma trama bem mais envolvente, se fosse melhor administrada pelo roteirista Fernley Phillips e pelo diretor Joel Schumacher. Mas, os que forem fãs de Jim Carrey, não se arrependerão de conferir o ator em seu primeiro personagem que figura um thriller de suspense.

Andreisa Caminha
@

Compartilhe

Saiba mais sobre