Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 23 de março de 2007

Norbit

"Norbit" é um grande festival de piadas de mau gosto do começo ao fim. Eddie Murphy se esforça para fazer rir, mas o filme acaba por se mostrar mais uma prova do péssimo gosto do comediante na escolha de seus projetos.

Impressionante como quando uma pessoa está destinada ao fundo do poço, não há milagre que faça tirá-la de lá onde se estabilizou. Eddie Murphy vem colecionando filmes medonhos nos últimos anos – vale lembrar que seu maior destaque foi seu ótimo trabalho de dublagem do Burro da franquia "Shrek" – e quando pareceu que uma luz surgiu no fim do túnel ao ser indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por "Dreamgirls – Em Busca de Um Sonho", ele aparece com esse afronte à natureza chamado "Norbit". É fato que ele atuou em aberrações como "Um Vampiro no Brooklin", "Professor Aloprado 2", "Pluto Nash" e "Mansão Mal Assombrada", mas se fossem fazer uma acirradíssima competição de qual o pior filme de sua carreira, "Norbit" concorre bravamente. Não bastasse ser ruim, claramente colaborou para que o Oscar não chegasse nas mãos de Murphy.

Norbit (Eddie Murphy) foi criado pelo Sr. Wong (Murphy, novamente), que o encontrou ainda bebê no Restaurante e Orfanato Wonton Dourado. Foi neste local que ele conheceu sua alma gêmea, Kate (Thandie Newton). Eles se tornam amigos inseparáveis, até ela ser adotada e deixar o local. Aos 9 anos, Norbit é ameaçado por três garotos da escola mas é salvo por Rasputia (Eddie Murphy!!!), uma robusta garota de 10 anos. Os dois crescem, namoram e se casam. A vida de Norbit não anda nada bem, mas ela muda após reencontrar Kate, que decide comprar o antigo orfanato do Sr. Wong. Porém o que Kate não sabe é que seu noivo, Deion (Cuba Gooding Jr.), planeja transformar o local em um bar de strip-tease, contando com a ajuda dos irmãos de Rasputia.

Acho que nem é preciso falar muito de falta de criatividade, afinal, pode existir história mais batida do que ajudar um orfanato onde o protagonista fora criado quando criança, e reencontrar o grande amor de infância? E antes de tudo, é bom deixar claro que “Norbit” é um filme de extremo mau gosto que se apóia demais em piadas de baixo calão para agradar os alienados espectadores. Flatulências, depilação de virilha, flechada no ânus, piadas com tamanho de seios e coisas do tipo estão presentes aos montes. E inclusive as piadas que não são de teor apelativo se mostram sem graça alguma, chegando a ser impressionante a ousadia por parte dos roteiristas Jay Scherick, David Ronn e do próprio Murphy por terem coragem de colocar piadas tão idiotas. Convenhamos, alguém consegue rir vendo alguém reclamando de que comeram um pedaço grande de um bolo, e uma mulher gorda com a boca toda melada de bolo negar que foi ela? Ou vendo a mesma gorda entrando numa banheira e ao ouvir o barulho de toda a água sendo derramada exclama: “Está chovendo lá fora?!”? Paciência, viu!

O pior é que praticamente todas as piadas envolvem a obesidade da personagem Rasputia (vivida de maneira mais do que forçada, propositalmente, por Murphy), seja mostrando ela comendo tudo que é de gordura em excesso que aparece em sua frente, ou mostrando suas banhas escandalosas quando está de biquíni, ou tendo dificuldades em passar em cantos apertados. Vale relembrar que as mesmas situações são vividas por Murphy com seu personagem em “O Professor Aloprado”, mas que no caso, o Professor Klump conquistava o público com sua simpatia, de modo que as piadas não soavam ofensivas às pessoas obesas. Já Rasputia é uma pessoa arrogante, maléfica, vingativa, e o pior, egocêntrica, de modo que sequer assume que é gorda (como se isso por si só fosse uma piada), de modo que as piadas em torno de sua imagem soam demasiadamente grotescas.

E a personagem é tão repugnante, que dá vontade de ir embora dos cinemas sempre que aparece, e repete exaustivamente o bordão ‘How You Doing?!’ (é, aquela mesma frase de Joey Tribianni, do seriado “Friends”). Parece mesmo que a intenção dos realizadores era causar raiva nos espectadores. Em meio a mais piadas infames, com direito até a um cachorro falando e um professor de dança ridiculamente vivido por Marlon Wayans (bem que o filme poderia ser dirigido por algum de seus irmãos), alguns outros personagens são apresentados e nada acrescentam ao filme. Há uma dupla de cafetões que tenta a força arrancar risos através de papos machistas; os irmãos fortões de Rasputia; uns senhores donos de um restaurante que falam de maneira esquisita; uma velhinha vendedora de flores que não passa de figurante, entre outros, todos sem carisma algum. O mais estranho é ver Cuba Gooding Jr. nesse filme, parecendo que depois do Oscar por “Jerry Magüire” vem afundando sua carreira participando de produções dispensáveis. Por sinal, ele está fraquíssimo, sem conseguir sequer transmitir o ar canastrão que seu personagem exige.

No fim das contas, se ainda é possível rir em um momento ou outro, é por causa do esforço de Murphy. No fim das contas, sabemos que é ele vivendo vários personagens, e isso de certa forma se torna uma diversão. E por mais que as piadas não funcionem, seu desempenho chega a provocar algumas risadas através do ar sempre abestalhado de Norbit, a ‘voz da experiência’ marcada pelo japonês Sr. Wong, e até mesmo Rasputia. Confesso que esbocei risada quando Rasputia, insinuando magreza excessiva da personagem de Thandie Newton, diz para ela que ‘temos que aceitar como somos pois Deus nos fez assim’; ou até mesmo quando ela pula de um escorregador de parque aquático (típica cena de comédia pastelão, que nunca neguei ser fã). Mas isso só realmente é possível devido o espetacular trabalho de maquiagem, de modo que nenhuns dos três personagens vividos por Murphy lembram sua fisionomia (a caracterização do Sr. Wong chega a ser espantosa).

Não há palavra melhor para descrever “Norbit” do que dispensável. O diretor Brian Robbins, que antes dirigiu o igualmente fraco “Soltando os Cachorros”, com Tim Allen, certamente terá dificuldades caso ainda sonhe em receber destaque na indústria. No geral, não há quase nada de aproveitável nessa comédia apelativa, mas como sou generoso, dou duas estrelas por motivos justos: o belo trabalho de maquiagem, e a versatilidade de Murphy nos três papéis, que consegue até divertir em alguns momentos, apesar das piadas fracas. Quem sabe algum dia ele ainda tenha sua redenção no cinema após tantas bombas, afinal, Sylvester Stallone conseguiu esse feito ao levar de novo às telas Rocky Balboa, um de seus personagens mais famosos. Quem sabe uma volta triunfal de Axel Foley, de “Um Tira da Pesada”, seja a solução.

Thiago Sampaio
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