Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 24 de março de 2007

Arthur e os Minimoys

Invadindo um mercado basicamente liderado pela tecnologia e responsabilidade americana de fazer animações, Luc Besson mostra em “Arthur e os Minimoys” sua competência como encantador e criador de um mundo mágico que desagrada por acabar falhando em alguns pontos da história, mas que o carisma dos personagens e as aventuras bem conduzidas enchem os olhos do público.

Na animação européia, conhecemos Arthur (Freddie Highmore), um garoto de dez anos que mora com a avó (Mia Farrow) e é vítima da ausência dos pais em seu crescimento e do desaparecimento do seu avô. Além de tantos problemas familiares para administrar, Arthur descobre que a casa onde vive está prestes a ser tomada por um empresário arrogante e impiedoso. Determinado, o garoto descobre a existência de um possível tesouro em seu jardim, devido as histórias contadas por sua avó e deixadas registradas por seu avô. É aí que o Arthur procura desvendar o mundo dos Minimonys, criaturinhas simpáticas que, como reza a lenda, também vive no seu jardim e podem ajudar a encontrá-lo o tesouro. Baseado em uma obra escrita pelo próprio diretor, Luc Besson, o longa marca sua volta às telonas após sete anos de afastamento e o sucesso conquistado já garantiu mais duas seqüências para “Arthur e os Minimoys”. Possuindo um dos maiores orçamentos da indústria cinematográfica francesa, a película custou cerca de US$ 80 milhões, incluindo a parte gráfica da animação e as seqüências filmadas com pessoas de verdade. A mescla resultou em uma história que envolve do mais infantil até os adultos e faz bom uso da imaginação, criando um mundo de fantasia bastante agradável de se conhecer.

Besson constrói sua fábula com todos os elementos básicos e atrativos para as crianças, mas consegue não excluir a atenção dos mais velhos. Essa conciliação de público acaba sendo favorável e necessário para não fazer da produção apenas mais uma dentre as tantas que pegam animais ou objetos inanimados e exploram seus lados infantis. Em “Arthur e os Minimoys”, podemos perceber uma constante comunicação com o espectador que acaba ficando encantado com os personagens carismáticos e se rendendo aquela tão perigosa aventura que vivem no mundo fantástico dos Minimoys. Animações costumeiramente passam lições de bondade e determinação, porém algumas vezes acaba soando superficial e não sendo nem um pouco efetivo. A trama de Besson vai moldando justamente esses ensinamentos e constrói uma narrativa onde existem estratégias que funcionam muito mais do que mostrar que o certo é ser bonzinho ou saber trabalhar em equipe. Sempre bastante determinado e corajoso, Arthur mostra possuir uma personalidade que se afasta daquelas bobagens já vistas em outras produções e resgata a inocência infantil sem cair em um péssimo gosto. Besson traz em seu protagonista a chave para o desenrolar da história e não pinta como herói, mas sim como alguém que precisou ter determinação para conseguir o que queria, conseguindo muito mais do que poderia imaginar. O clima de romance entre Arthur e a Princesa Selenia começa desde os primeiros minutos feitos em animação onde já é posta de forma bastante comum, porém divertida, a possível tensão amorosa que viria a existir entre os dois, acabando pela rendição de Selenia aos seus sentimentos. Tudo muito puro e válido.

Ninguém melhor para assumir praticamente todos os cargos da animação do que o próprio Besson, que conhece sua obra melhor do que ninguém. Criativo, expansivo e eficaz, seu talento reflete não só nas aventuras, histórias e personagens postos em questão, como também na delicadeza com que registra os momentos mais brandos da trama, pendendo para o lado de medo e mistério quando o enredo esquenta, mostrando seus vilões e capangas. Besson faz bom uso técnico dos closes, ângulos e aproveita todos os elementos gráficos que pode para não suspender o crescimento da narrativa ou torná-la desinteressante. Mesmo assim, é notável uma lamentável redundância em algumas idéias e tomadas, como a obsessão pelo cãozinho Alfred na parte inicial do longa, sempre focalizando em seu olhar curioso, tentando buscar alguma interpretação pessoal do espectador, muitas vezes sendo desnecessário. Outro penoso declínio em “Arthur e os Minimoys” foi o uso dos estereótipos ao construir os personagens principais e suas ambientações na trama, mas surpreende ao cativar com a graça de muitos deles e de amedrontar ao mostrar o grande vilão Maltazard, que mais parecia com uma versão animada para o Lorde Voldemort da saga Harry Potter. O fato é que tais momentos desgostosos do filme não são suficientes para fazer perder o valor moral e gracioso que a trama revela ao final, assinando o final feliz e, com ele, dando a sensação ao público de ter gastado bons momentos de diversão no cinema.

Particularmente devo confessar que não sou muito a favor de misturar as idéias de uma animação com personagens em carne e osso, mas no caso de “Arthur e os Minimoys” quebrou o preconceito e provou que era necessário ter essa divisão. Outras animações acabam caindo no ridículo por querer mesclar os dois universos e conseguir apenas um momento frustrante. No elenco “vivo”, Mia Farrow traz sua graciosidade e talento natos, construindo uma personagem que representa toda a segurança de uma criança, com aquele dom de contador de histórias e que possibilita as crianças visionarem um mundo de fantasia e acreditar nele. O pequeno Freddie Highmore já demonstrou seu talento nos ótimos “Em Busca da Terra do Nunca” e na versão timburtiana de “A Fantástica Fábrica de Chocolates” e se tornou um rostinho carimbado em produções cujo talento maior provém do elenco infantil. Ao encarnar Arthur, o ator deixa-se envolver por uma atuação bastante teatral que dá ritmo à determinação de seu personagem, principalmente ao mostrar-se vitima inconseqüente de uma possível ordem de despejo que o deixaria desamparado junto da figura materna que mais preza seu bem estar, sua avó. Quando seu personagem vira animação, a graciosidade do garoto aumenta e é impossível não ter empatia por ele. Inclusive toda a parte gráfica e de efeitos visuais foram minuciosamente trabalhados para diferenciar um pouco do cenário usual de animações das americanas. Brincando bastante com a cor e fotografia, Besson constrói um universo encantador. Dentre os Minimoys, Selenia e seu irmãozinho são outros que ganham a simpatia do público de cara, por mais que aquela seja um tanto quanto orgulhosa.

Revelando-se uma boa opção para os amantes de aventura e animação, “Arthur e os Minimoys” chega mostrando que o cinema europeu tem uma grande capacidade de construir filmes competentes do gênero. Por mais que não seja uma obra prima ou entre para a lista das animações preferidas de alguém, é inegável que o universo construído por Besson é mais do que uma ode à valorização da criatividade e inocência infantil e que, mesmo assim, ainda consegue atingir todos os tipos de público. Caindo em alguns lugares comuns, ainda sim existem estratégias de roteiro ligadas ao carisma de seus personagens que conquistam de cara a audiência. E para aqueles que gostaram do longa e querem mais, é só aguardar que Besson em breve chegará com mais outras duas aventuras de Arthur e seus amigos Minimoys.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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