Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 19 de março de 2007

Ponte para Terabítia

As angústias de uma infância solitária, problemas com a família, a paixão platônica pela professora, o primeiro amor, e, claro, a vívida imaginação pueril... Sim, "Ponte Para Terabítia" não é o que se esperava. Esse filme trata das questões mais belas e doces da infância de um modo absolutamente tocante e de modo que vai agradar tanto a adultos quanto ao público mais jovem.

Desde "As Crônicas de Nárnia: O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa", o nome da Walden Media ficou ligado a projetos de fantasia, gênero no qual este "Ponte Para Terabítia" não se encaixa completamente. As peças publicitárias do filme distribuídas (e até a sinopse do filme) realmente enganam o espectador. Mas, ao invés de um "sub-Senhor dos Anéis", foi uma ótima surpresa assistir a um belo filme que trata de maneira tão tocante as tristezas e alegrias de ser criança. Baseado no livro de Katherine Paterson (o qual, confesso, nunca li), o filme mostra a história de Jesse Aarons (Josh Hutcherson, de "Zathura"), garoto de fazenda com a família (da qual é o filho do meio) em dificuldades financeiras, ostracisado no colégio onde estuda e que não se relaciona bem com o pai (Robert Patrick, de "O Exterminador do Futuro 2") – o que se reflete na maneira que trata sua irmã menor, May Belle (Bailee Madison). Apesar de ser um desenhista promissor, Jesse explora mais sua velocidade, correndo nas aulas de educação física, sendo o garoto mais rápido da escola, até a chegada de Leslie Burke (AnnaSophia Robb, de "A Fantástica Fábrica de Chocolates"), uma menina da sua idade, extremamente inteligente, com um talento inegável para a escrita e com pés mais rápidos que os de Jesse. No primeiro encontro dos dois, Leslie derrota Jesse, que, ao primeiro momento, é orgulhoso demais para aceitar a amizade da menina, que acaba por ser tão impopular no colégio quanto ele. Com o tempo, Jesse cede, e uma forte amizade entre os dois acaba por florescer. O que sela essa amizade é a criação de Terabítia, um reino imaginário, cheio de criaturas fantásticas, que existe apenas na imaginação dos dois, nascendo das palavras de Leslie e da criatividade plástica de Jesse. Lá, eles vivem grandes aventuras e podem se refugiar de seus problemas.

O que mais fascina no filme são seus personagens principais, que possuem características facilmente identificáveis a qualquer criança (ou quem já foi uma). Isso ocorre principalmente com o personagem Jesse. Você pode sentir que as tensões vividas por ele são reais. Os ciúmes que sente pelo modo carinhoso que seu pai trata a irmã caçula, nas provocações feitas por suas irmãs mais velhas, nas discussões que ele ouve sobre o orçamento da casa que seus pais travam e no tratamento cruel que ele recebe dos colegas. Tudo isso são coisas que todos, algum dia, vivenciamos. Uma identificação dessas é mais complicada com a extrovertida Leslie. Vinda de uma amorosa (e abastada) família de intelectuais, ela é desconsiderada no colégio não por ser "normal" demais – como ocorre com Jesse – mas por seu ponto de vista único sobre as coisas. Um diálogo fascinante, que mostra as diferenças entre os dois amigos, é quando eles falam sobre o modo como a criação que eles recebem dos pais influenciam quem eles são (ou vão ser). Terabítia serve como um lugar onde os dois protagonistas descarregam suas frustrações, sonhos, desejos e fantasias. Não é apenas um reflexo do que ocorre com suas vidas, mas uma fonte de soluções para seus problemas e dilemas. Vale comentar também a participação de May Belle no filme. A irmã caçula de Jesse é quem faz a aproximação entre ele e Leslie, além de que seu amor por seu irmão (mesmo com ele a menosprezando ocasionalmente) é extremamente comovente. O arco sobre a paixão platônica de Jesse com sua professora de música, Srta. Edmonds (vivida por Zooey Deschanel, de "Quase Famosos"), a princípio, parece um tanto desnecessário, mas se prova fundamental à trama.

A química entre Josh Hutcherson e AnnaSophia Robb é perfeita. Nunca a amizade (e o amor, não exatamente romântico) que surge entre os dois soa artificial graças a suas interpretações. Hutcherson, em especial, tem algumas cenas dramáticas excepcionais, enquanto sua companheira de cena não pode demonstrar todo o seu potencial, já que a história não lhe exige muito (o que é uma pena, já que Leslie – como Jesse pode comprovar – é uma personagem apaixonante). A May Belle vivida por Bailee Madison é simplesmente adorável, lembrando muitas irmãs caçulas reais, seja nos momentos bons, ou quando aprontam alguma. Robert Patrick constrói o seu Jack Aarons de maneira sólida. Seu personagem tem algumas cenas fortes com o filho, valendo destacar a que se passa no bosque e o diálogo na estufa, sobre o animal que Jesse salva. Já Zooey Deschannel realmente não tem muito o que fazer em cena, já que sua personagem pouco aparece no filme (embora, ressalto novamente, tenha sua importância).

A direção de Gabor Csupo é ótima. Csupo teve seus trabalhos mais reconhecidos na animação (tendo criado varias séries para a Nickelodeon, incluindo o sucesso "Rugrats") e mostra que sabe lidar com o público infantil, extraindo de seu elenco boas atuações, não forçando o tom dramático da narrativa além da conta (tentação na qual muitos diretores cairiam em determinados momentos da trama). É de se espantar que este seja seu primeiro longa com atores reais e espero vê-lo dirigindo outras produções em breve. Os efeitos especiais, feitos pela Weta Digital (de "King Kong"), não primam pelo realismo e nem deveriam, já que existem para passar a sensação de que todos os elementos fantásticos vistos na tela são oriundos da imaginação de Jesse e Leslie, cumprindo assim sua tarefa de maneira admirável. A edição, feita por John Gilbert (de "O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel") é ótima para a trama contada, não sendo (e nem precisando) ser revolucionária. Apesar de ter uma trilha sonora orquestrada ótima e da excelente escolha de músicas que foram cantadas por Zooey Deschanel durante o filme, as músicas "pop" entonadas em determinados momentos destoam do filme, sendo o destaque negativo deste.

Um filme para pais e filhos, que pode suscitar conversas interessantes entre estes. Não recomendo para crianças muito pequenas e nem para adultos com pouca visão de mundo, mas para aqueles que tenham imaginação e que, citando o filme, possam deixar a mente aberta. Uma ótima surpresa, realmente.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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