Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 19 de março de 2007

Scoop – O Grande Furo

Woody Allen chega aos cinemas com uma comédia com a única pretensão de levar um bom entretenimento ao público e mostrar o talento cômico de seu elenco, principalmente de Allen que dá uma de “faz tudo” no projeto e acaba agradando em todos os sentidos, marcado principalmente por seu bom humor.

Na trama de “Scoop – O Grande Furo”, a bela Sondra Pransky (Scarlett Johansson”) é uma estudante de jornalismo que está visitando alguns amigos em Londres, além de ser dominada pelo desejo de escrever matérias boas para o jornal da sua faculdade. Durante a visita, a moça vai ao show de mágica de Sid Waterman (Woody Allen), que a chama ao palco para fazer o truque de desmaterialização. Sondra entra em uma caixa mas, enquanto o truque acontece, surge para ela o espírito de um repórter, que lhe oferece um grande furo: a identidade do assassino do tarô. Ele diz a Sondra que o assassino é Peter Lyman (Hugh Jackman), um aristocrata inglês. A partir daí, Sondra e Sid começam a investigar Lyman, mas ela acaba se apaixonado por ele. Nesse meio tempo, a dupla vai precisar de muito jogo de cintura para não estragar a investigação e conseguir descobrir os mistérios do assassino do tarô.

“Scoop” foi uma grande brincadeira para Woody Allen. Consagrado por sua competência e versatilidade, o cineasta é sinônimo de ousadia ao tocar um novo projeto adiante. Vindo do excelente “Match Point”, Allen traz em “Scoop” um roteiro mais brando que não procura seduzir o espectador com sua complexidade. Allen constrói basicamente uma história fraquinha, beirando o estilo de seriados cômicos televisivos, mas que acaba tendo um quê de agrado que talvez se outro cineasta ousasse trabalhar neste projeto, não tivesse conseguido. Seguro de que sua ousadia e experimentação no gênero de comédia, Allen planta no enredo de “Scoop” várias provas de que seu talento é inegável e que não se deve temer com o fracasso. O fato é que talvez nem todos os seus fãs assíduos consigam aprovar a posição de Allen nesta película, mas uma vez mestre, sempre mestre. Seja atuando, dirigindo ou escrevendo, o cineasta consegue amarrar o espectador e tirar dele as mais diferentes sensações. Os constantes simbolismos colocados no filme podem até passarem despercebidos ou aparentar serem ridículos, mas a partir do momento em que a história se fecha, é possível perceber que nenhum elemento posto no roteiro foi em vão. Vale, inclusive, ressaltar a simbologia usada para a Morte que não somente casa com a idéia de ser uma das cartas mais temida do tarô, como também a personifica, dando a idéia de algo palpável. Sempre com um senso de humor ideal, junto com a Morte, vê-se o possível trajeto feito com ela até chegar a algum lugar que não sabemos qual é. Seja paraíso ou não, as almas mostram-se conformistas em sua condição, usando da caricatura da Morte para mexer com a imaginação e aceitação pacífica do público.

Além disso, outras estratégias de Allen dão um upgrade na história, como as pequenas alfinetadas escondidas em alguns diálogos. Tendo sempre ambientado suas tramas em Nova York, agora sua nova paixão está sendo Londres, cenário também de “Match Point”. E está nessa nova disposição de enfrentar a vida londrina outro momento agradável da trama, quando o personagem de Allen critica sua ignorância ao não conseguir usar o sistema de direção dos carros, por serem invertidos e darem a sensação de que toda vez que dirige ele vai morrer em um acidente, deixando claro que esta passagem se comunica com sua própria redenção a Londres. Como se não bastasse, a relação de Sid e Sondra com as intervenções sobrenaturais acertam ao não recorrer para aquele lado misterioso de procurar explicar ou criar uma atmosfera de medo ao comunicar-se com o fantasma de Joe. Tantas já foram as histórias onde o mundo sobrenatural foi colocado em pauta e um aparato de mistério e suspense foram utilizados para dar credibilidade ao fato que nada mais justo do que Allen ir à contra mão e ousar mais uma vez, desmistificando o que talvez pudesse ser impossível. Outra saída interessante está na construção da personalidade de Sondra, que não se restringe à obsessão de uma estudante de jornalismo que anseia por algum destaque em sua profissão. Acima de tudo, Sondra é uma jovem ingênua em relação a seu trabalho, porém contrapõe sua ingenuidade ao ter seus desejos de mulher que ultrapassam o profissionalismo e a deixam se envolver demais com as fontes. Isso pode até soar como uma fraqueza feminista, mas prefiro ver como um resultado de seu envolvimento com o objeto de pesquisa, o que é bastante freqüente no jornalismo investigativo.

Por mais que a história não ande em novas abordagens, o roteiro de Allen consegue fugir de algumas gags que certamente comprometeriam a película, como criar um clima mais intenso para o romance de Sondra e Peter, investindo no melodrama do casal que se apaixonou inesperadamente, sendo positivo principalmente para facilitar na hora de se desfazer de algum personagem da trama. Além disso, Allen conduz a trama com a segurança no seu projeto e sabe extrair de cada momento o melhor produto possível, tendo uma grande abertura com o elenco que proporcionou um feedback satisfatório nas atuações. Trabalhando pela segunda vez com sua nova musa, a bela Scarlett Johansson, o diretor mostrou um lado totalmente diferente do que pudemos ver em “Match Point”, mas sem perder o poder nato de sedução que Johansson tem. A atriz constrói seu personagem com um cuidado visível para demonstrar sua vontade de dar um grande furo e poder, finalmente, ter um reconhecimento extra-universitário, mas sem cair em outros estereótipos que subjugam a profissão dos jornalistas. Outro fator notável para o bom desenvolvimento do filme foi a química existente entre Johansson e Allen. Passando a maior parte do tempo lado a lado em cena, o talento da dupla dá credibilidade a história e a harmonia existente é bastante agradável. É como ver duas gerações diferentes que se complementam com sua forma particular de atuar. Allen faz de Sid um mágico cheio de tiques e com uma comicidade ímpar. A insegurança pessoal de Sid se reflete em suas atitudes e diálogos, mas sempre está tentando convencer do contrário para não se sentir frustrado. E nesse meio termo, a diversão fica garantida com as suas idéias e seu timing perfeito para fazer graça. Já Hugh Jackman está um poucoapagado como coadjuvante, mas seu talento é óbvio e sabe discernir as diferentes nuances dadas a seu personagem.

Sem muito destaque estético, “Scoop” peca um pouco pela repetição da trilha sonora e por não proporcionar um clímax necessário para a trama vingar por completo, mantendo-se sempre morna, apesar de suas variações e reviravoltas. Mesmo assim, o resultado final acaba sendo satisfatório, mostrando a capacidade de Allen de usar seu talento em qualquer gênero que ele decida trabalhar. Com uma grande possibilidade de não agradar aos mais exigentes e àqueles que acham que para ser um grande cineasta precisa-se fazer filmes sérios e cults, “Scoop” não é uma obra prima, mas também não merece nenhum Framboesa de Ouro. Para quem gosta de um bom humor urbano, sinta-se a vontade em conferir!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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