Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 04 de março de 2007

Letra e Música

A nova comédia da Warner Bros. chega com a única pretensão de mostrar sua simpatia e agradar aqueles que gostam do gênero e não estão preocupados em assistir a histórias complexas. O romance vivido entre os personagens dos carismáticos Hugh Grant e Drew Barrymore pode ser definido com uma expressão que o próprio filme cita: "água com açúcar" e não tem nada de extraordinário. Porém não deixa de ser um bom entretenimento em um final de tarde.

Escrito, dirigido e produzido por Martin Lawrence, nome conhecido após seu envolvimento em produções como "Amor à Segunda Vista" e na franquia "Miss Simpatia", "Letra e Música" mostra uma óbvia tendência do cineasta em trabalhar comédias e faz do filme em questão um tanto quanto desajustado no início, mas com o passar dos acontecimentos vai tentando (eu disse "tentando") se encontrar na história e agradar ao público. Na trama, Grant dá vida a Alex Fletcher, um astro da música pop da década de 80 que vive um período de esquecimento na indústria fonográfica e atualmente se apresenta apenas em eventos insignificantes. Ídolo de muitos, Alex é convidado por Cora Corman, uma estrela do pop atual, para escrever uma música e gravar este dueto com ela, tendo a oportunidade de realimentar sua carreira. Tendo perdido sua prática como compositor e precisando entregar a música pronta em poucos dias, Alex conhece Sophie Fisher (Barrymore) que, ao prestar serviços de jardinagem em seu apartamento, acaba se revelando uma ótima compositora. Enquanto Sophie e Alex trabalham incessantemente, uma afinidade entre eles vai surgindo e, enquanto buscam o sucesso, terão a chance de vencer seus medos pessoais relacionados à fama e a relacionamentos.

É fato que Lawrence tem um senso de humor que não provoca muitas gargalhadas, mas não deixa de ser engraçadinho. Em seu novo projeto, o que percebemos logo de início é uma indefinição preocupante em relação a história que seus personagens viverão. Durante os créditos iniciais, somos obrigados a ver um dos clipes musicais de Alex enquanto participava da Banda Pop e a forma como a década de 80 foi mostrada é tão embaraçosa que é impossível não ficar com a música martelando na cabeça ou envergonhado por Alex. Mas isso tudo foi preciso para que pudéssemos dar credibilidade ao passado do cantor e para que ele não chegasse na trama apenas cheio de suposições sobre sua vida. Após isso, Alex e Sophie se encontram de uma forma bastante esquisita e caricata. Sophie aparenta ser bastante desregulada, enquanto Alex aceita muito facilmente que uma estranha que invade seu apartamento pode ser uma pessoa legal e talentosa o suficiente para ajudá-lo em sua nova missão. De qualquer forma, os primeiros minutos de "Letra e Música" sofrem sem estabilidade e com a falta de humor ao menos agradável. Algumas das piadas não se enquadram em cena e outras passam despercebidas. Com o andamento da história e a convivência de Sophie e Alex, passamos a notar que o enredo tenta se encontrar e recuperar o tempo perdido inicialmente. Isso é bastante notável, já que, em diversos momentos, as freqüentes repetições de temáticas e idéias tornam-se necessárias e colocam em questionamento se o roteiro tem conteúdo suficiente para sustentar os cem minutos de projeção.

Ainda assim sem arrancar muitas gargalhadas e tendo a trama bastante arrastada, "Letra e Música" acaba se revelando um filme essencial para aqueles que adoram comédias românticas com uma paixão que surge devido a um fato inesperado e que, depois de se render a ela, vem sua repulsão e depois de superar as diferenças, chega o the end no maior estilo "felizes para sempre" de Hollywood. Lawrence até parece um amador ao não conseguir desmembrar seu enredo em situações realmente interessantes, mostrando um certo descompromisso em aproximar seus personagens da realidade. Como diretor, Lawrence peca pelo intensivo uso de câmeras alternadas cujos cortes na edição acabam mostrando claramente erros de continuidade imperdoáveis. Mesmo tentando criar a atmosfera básica das comédias românticas, percebemos o desconforto em variar nas nuances que a história proporciona tanto ao seu tema principal, quanto a paixão que surge entre Alex e Sophie, muitas vezes passível de discussões se entre eles existe algo de romântico acontecendo ou se todos aqueles olhares brilhando um para o outro eram resultado da bela música que conseguiram compor. Mesmo decepcionando neste ponto, Lawrence tem uma ajuda fundamental para que o público esqueça por um tempo seus defeitos: a trilha sonora. Por mais típica de romances que possa se apresentar, é claro que o seu intenso uso acaba viciando o espectador e acomodando-o em momentos agradáveis até o desfecho da história, quando o objetivo do casal finalmente é conquistado e passamos a ter mais tempo para admirar a canção que se junta ao amor que cresceu dentro dos protagonistas.

O elenco não faz grandes perfomances e sem dúvidas o destaque maior continua sendo para Drew Barrymore. Mesmo tendo feito diversas comédias românticas, parece que a moça consegue variar bastante na construção de seus personagens e faz de Sophie uma mulher paranóica, desiludida de relacionamentos e cujo talento precisa ser reconhecido. Os constantes tiques e o timing usado foram acertos fundamentais para que seu papel pudesse funcionar e, principalmente, cativar o público. Hugh Grant tem o eterno ar de galanteador, o que acaba uniformizando a maior parte de seus trabalhos. Em diversos momentos, Alex se assemelhava bastante a Daniel Clever, dos ótimos "Bridget Jones". Mesmo assim, sua atuação não deixa tanto a desejar, apesar de ser atrapalhado por algumas breviedades do roteiro, como na hora que precisa machucar Sophie e colocar todo o sentimento que existia entre eles em pauta. Kristen Johnston e Brad Garrett não têm tanto espaço para desenvolver seus personagens e estão apenas bem. Johnston tem um exagero bastante teatral em suas atuações e isso realmente é difícil de ser lidado em uma comédia tipicamente americana, o que pode aparentar que a atriz seja caricata demais. Já a novata Haley Bennett faz mal uso de seu papel e infelizmente não traz uma atuação digna para que a crítica às cantoras pops performáticas que abusam da sensualidade e do corpo para vender suas músicas tivesse bem mais eficácia.

Mesmo caindo no lugar comum das comédias românticas, "Letra e Música" certamente agradará aqueles que estão sempre dispostos a ver um belo amor de cinema. Com seus eventuais erros e desgastes, a película ainda assim traz momentos agradáveis que são regados a uma trilha sonora simpática e aceitável. Talvez se tivesse havido um maior cuidado em trabalhar outras vertentes que a temática poderia gerar, o longa pudesse ser um pouco mais eficiente. Como não consegue atingir nenhuma máxima, "Letra e Música" acaba sendo uma boa opção para ser visto bem acompanhado e em um final de tarde, como um bom entretenimento e não como uma obra-prima, o que em partes é uma pena já que tantas comédias sensatas têm sido feitas, como o recente "O Amor Não Tira Férias" e o ótimo "Tudo Acontece em Elizabethtown". De qualquer forma, "Letra e Música" podia ser bem pior e felizmente ainda tem seus pontos positivos para agradar o grande público.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

Compartilhe

Saiba mais sobre