Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 17 de março de 2007

Candy

Abusando de uma sensibilidade bastante eficaz, "Candy" promove mais uma discussão sobre a destruição da vida de seus protagonistas devido ao uso das drogas e acaba morrendo em um lugar comum, mas não deixa de ter seu estilo e peculiaridade que torna a película um tanto quanto simpática.

Baseado na obra escrita em 1997 por Luke Davies, "Candy" conta a história de Candance, ou carinhosamente chamada de Candy (Abbie Cornish), o protótipo de uma jovem bonita que esbanja talento em suas pinturas que acaba conhecendo Dan (Heath Ledger), um jovem saudável e promissor. Vivendo o auge da sua juventude, eles se apaixonam assim que se conhecem, passando a dividir também a dependência por heroína. De início, Candy e Dan sentem viver no paraíso, mas o vício passa a causar grandes mudanças em suas vidas. A falta de dinheiro faz com que eles retornem à realidade e Candy torna-se prostituta, com o consentimento de Dan. Para afirmar sua união, eles decidem se casar, mas a dependência das drogas afeta suas vidas e satura Candy, que opta por se internar e tratar o seu vício, enquanto a vida de Dan sofre mais alterações com a distância entre os dois.

"Candy" não é o primeiro e nem será o último filme a falar de drogas, sendo quase (eu disse quase) impossível evitar alguns clichês básicos da temática. Depois do excelente "Trainspotting", qualquer produção que venha abordando a degradação da vida de alguém devido as drogas merece ser analisada com rigor, pois não se pode deixar passar batido se o desenvolvimento da narrativa tenha adquirido um caráter piegas. O que observamos no roteiro de Luke Davies e Neil Armfield, este também diretor, é uma estrutura narrativa que tenta distanciar o público da mesmice e apelar para o carisma que seus personagens conseguem conquistar no decorrer da projeção. Por mais que isso nem sempre seja eficiente, percebemos que a estrutura da história, separada em "capítulos" que retratam com bastante intensidade como aqueles jovens foram envolvidos com a dependência química, não percebemos nenhuma barra forçada para mostrá-los como viciados. É fato que os personagens sejam submetidos a situações básicas já vistas anteriormente, como a intervenção da família, as más companhias que podem oferecer droga fácil a qualquer hora e a imprudência dos jovens de saberem que estão fazendo errado, quererem mudar isso, mas sem conseguir obter êxito em uma desintoxicação voluntária e sem internação imediata. Tudo isso não é mais novidade e soa com uma redundância que chega até a incomodar, mas a capacidade de Armfield conduzir sua película com punho forte, sem abandonar a delicadeza e o significado de cada cena, acaba dando um toque especial na história de Candy e Dan.

Mesmo tendo como foco a dependência química, os protagonistas vivem uma história de amor que junta a euforia da juventude com um sentimento que é questionado e renovado a cada passo que o destino de ambos vai sendo traçado. As etapas do processo, que variam da curtição da droga até o fundo do poço, foram bem pontuadas, mas em alguns momentos a morbidez entra para confirmar as situações clichês utilizadas. De qualquer forma, o olhar clínico e ilustre de Armfield consegue causar com as mais simples atitudes uma reflexão sobre o tema, além da torcida pelos personagens, já que estes, além do carisma óbvio, mostram-se bastantes seguros em seus papéis. Heath Ledger conseguiu expandir seus limites e mostrou bastante versatilidade visto seu trabalho anterior no premiado "O Segredo de Brokeback Mountain" e conseguiu dar uma identidade confusa e cheia de distúrbios para Dan. A densidade psicológica e dramática consegue ser revelada em cada nuance e em momento algum o ator deixa a desejar, revelando uma sintonia incrível com Abbie Cornish, que está impecável como Candy. A atriz mostra uma maturidade inesperada ao encarar a personagem que é, de certa forma, o pivô para todas as mudanças que atingem o clímax da história. Sua beleza e delicadeza acaba cedendo espaço para viver conflitos importantes, simbólicos e que não precisa usar da piedade para ser demonstrado em cena. Cornish faz de Candy um exemplo bem mais íntimo do que Dan pode parecer e deixa seu talento fluir. Geoffrey Rush fecha o grupo de boas atuações e rende bastante durante a projeção.

Armfield contou com a fotografia simplista de Garry Phillips e que embeleza e dá movimento a situações cruciais na trama. Phillips dá um toque sintético e significante aos planos que resolve captar a imagem, investindo em bons enquadramentos e em closes que dão um caráter intimista às cenas. Além disso, a direção de arte e a trilha sonora ajudam para compor o cenário da trama e não se preocupa em luxar muito, e sim partindo para um âmbito mais essencial e racional que mesclasse com o andamento do enredo. Talvez "Candy" tenha sido feito com um pouco de atraso em quesito de roteiro original, mas é óbvio que sua relevância é máxima. Por mais que traga uma trama que se articula muitas vezes em clichês, tem sua particularidade e revela-se uma ótima opção para aqueles que apreciam um drama bem pensado esteticamente. De qualquer forma, "Candy" traz, além do vício das drogas, a pauta de até onde o amor é amor e questiona justamente a cabeça dos jovens em relação às influências e aos sentimentos que muitos nem sabem se realmente são verdadeiros. Quando a reviravolta finalmente acontece, vemos que os personagens estão debilitados e que nem tudo pode ser tão lindo quanto antes. Conseguir estes resultados em um filme que teria tudo para ser somente mais um é o que justifica os méritos do longa.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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