Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Turistas

Independente da polêmica de retratar o Brasil como vilão, "Turistas" não consegue agradar aos fãs de filmes de terror devido tamanha mediocridade do projeto. Com roteiro rasteiro e interpretações ruins, o resultado final chega a ser risível.

Antes mesmo da estréia, o filme "Turistas" causou uma polêmica sem igual, sob a acusação de retratar o Brasil como um país hostil que tortura seus visitantes roubando seus órgãos. A faladeira começou desde o lançamento do trailer – que começa com a frase "Num país onde vale tudo, tudo pode acontecer! Num país onde tudo é permitido!", – e ganhou força impressionante quando o programa global "Fantástico" exibiu uma matéria sobre o longa. Entre ameaças da Embratur – órgão responsável pelo turismo no Brasil – de banir o lançamento do filme no Brasil, campanhas de boicote via email e orkut, o filme chegou, e, ainda assim as campanhas continuam (no cinema em que assisti, haviam panfletos com protestos espalhados entre os pôsteres, programação no cinema, etc.). Como só gosto de comentar algo após realmente conferir, finalmente posso dar minha opinião sobre tudo isso: "Turistas" não mostra nada de demais para sujar a imagem de nosso país (nada que não presenciamos no dia-a-dia e nos jornais) e no fim das contas não passa de mais um filme – ruim – de terror.

O longa-metragem traz seis jovens que, após sofrerem um acidente de ônibus no local que eles achavam ser "no meio do nada", descobrem uma cidadezinha onde resolvem passar o resto dia e festejar à noite. Isso corresponderia às férias perfeitas, se não fosse pelo fato que no dia seguinte eles acordam e descobrem que foram drogados e roubados. Então, enquanto tentam descobrir onde estão, cada vez mais vão entrando na floresta e, a cada passo que dado, mais longe ficam de conseguir escapar dessas férias.

As implicações com país estão lá sim, porém, nada que chegue a ofender, pois as situações são risíveis. E no fim das contas, casos de seqüestro de turistas para roubo de órgãos realmente acontecem aqui, e o que é mostrado não é nenhum absurdo. Mas, sabem como é, quando mostram o lado bom de nosso país o povo se vangloria, mas quando mostram os podres, o povo reclama até não poder mais. E como filme de terror “Turistas” é uma decepção grande, o grande barato do filme é mesmo rir da retratação de detalhes do país. Ver um motorista de ônibus dirigindo em uma estrada esburacada e gritando ‘sai do meio seu veado!’; uma velha de subúrbio falando ‘come um mocadinho, come’; e os gringos enchendo a cara de cachaça e se dando bem com as nativas (podem perceber em festas que isso é a mais pura realidade)…são motivos de gargalhadas.

Se o filme chega a provocar, é devido a maneira demasiadamente estereotipada com que os ‘vilões’ (os brasileiros) foram retratados. Nenhum personagem soa verdadeiro, pois convenhamos, uma mulher ligar para o ‘vilão-chefe’ e dizer 'chegou mais um lote de turistas, são todos seus', parece mais coisa de bandidos de filmes de ação B, estrelados por Mark Dacascos. O médico Zamora, vivido por Miguel Lunardi, de tão estereotipado chega a ser ridículo, e ainda é o responsável pela única frase que realmente alfinete o caráter do povo brasileiro: 'quero ver o coração de um gringo batendo dentro de um brasileiro'…só faltando a risada maquiavélica ao final. Tem como ser mais caricatural?

Como era de se esperar, o filme é uma grande apelação visual do começo ao fim mostrando tudo do Brasil, tirando o futebol, que é conhecido lá fora: mulheres semi-nuas o tempo todo (por sinal, fazendo topless, como se aqui fosse a coisa mais normal que existe), cenários praianos exuberantes, e até um índio armado com uma sniper tem vez. Na tentativa de ambientar mais o espectador, a idéia de colocar uma trilha inteiramente com músicas brasileiras foi boa, porém, as canções em nada condizem com suas cenas. Ouvir Marcelo D2, Adriana Calcanhoto no cinema é sempre agradável, mas não quando as canções não possuem nenhum fundamento, como acontece aqui. Ah, vale lembrar que nossa cultura é rasgada no filme pois a aberração do funk também é mostrada.

Depois de “Jogos Mortais”, está virando moda fazerem filmes de terror sobre torturas, e após o bom “O Albergue”, essa pérola chamada “Turistas” tenta seguir a mesma linha mas em nada consegue agradar, até mesmo para os fãs do gênero que anseiam apenas ver sangue. Logo na cena inicial, quando vemos fragmentos de uma tortura em vários takes em edição rápida, percebemos que o que estamos vendo é mais uma cópia de “Jogos Mortais” sem nada de novo. Simplesmente não há cenas de violência realmente interessantes, e o diretor ainda apela para as amostras de sangue gratuitas, como se closes em uma operação de retiradas de órgãos deixasse o filme bom. Ah, e se preparem para rir quando um personagem utiliza como arma um…espetinho de queijo (!). E não podemos esquecer dos eternos clichês de que quem faz sexo morre, ou de que algum personagem tem sua personalidade alterada em momentos decisivos.

Após o horrível “Mergulho Radical” (que como podem reparar, ele adora água e pessoas semi-nuas), John Stockwell mais uma vez demonstra ser um péssimo diretor. Ele apenas exprime alguma qualidade nas cenas de baixo da água, com o auxílio de câmera digital e do belo trabalho de fotografia, mas de resto, suas tentativas de criar tensão são péssimas. A maioria das vezes chega até a ser difícil entender o que está acontecendo na tela na cenas de ação, pois todas elas são demasiadamente escuras e apelativas para cortes rápidos, criando uma confusão visual nem um pouco atraente.

Falar do elenco pode ser perca de tempo, já que todos estão ‘brincando de atuar’, visto que a prioridade do diretor era exibir seus dotes físicos. O galã Josh Duhamel não tem carisma algum, e toda vez que fala mais parece que vai explodir em risadas. Já as mulheres Melissa George e Olívia Wilde estão robóticas. O elenco de brasileiros (que felizmente, realmente falam em português, e não em espanhol como é mostrado em muitos filmes estadunidenses), não tem chance de exibir nenhuma performance de destaque, com exceção do já citado Miguel Lunardi que exagera ao extremo seu ar vilanesco; e Agles Steib, na pele de Kiko. Esse último sim é o único que se destaca, apresentando um personagem peculiar, que chega até a ganhar a simpatia do espectador.

Em meio a tanta polêmica, falação desnecessária, as insinuações de "Turistas" nem de longe chegam a ser ofensivas. Tudo deve ser encarado na esportiva, pois convenhamos, se ofender com um filme de tamanha mediocridade como esse, é o cúmulo da falta do que fazer. No fim das contas, o melhor do longa acaba sendo as próprias referências ao nosso país, pois já que o filme não cumpre o dever de assustar, ele faz rir, e muito. E, rir das próprias desgraças às vezes é bem melhor do que causar tempestades em copo d´água.

Thiago Sampaio
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