Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Turistas

Tanto alarde feito em cima de "Turistas" talvez tenha sido desnecessário, já que o filme, com certeza, permanecerá na mente dos espectadores por ser um péssimo exemplar cinematográfico, e não por denegrir, de certa forma, a imagem do Brasil.

Após acarretar uma polêmica gritante frente a mídia generalizada, "Turistas" finalmente chega aos cinemas brasileiros. Boicotes, sejam via Internet ou não, foram propagados entre as pessoas, visando fazer com que elas não assistissem ao filme. Afinal, será que toda essa mobilização contra o longa-metragem era, de fato, necessária? Apenas pelo trailer, a maioria de nós, brasileiros, já sente um pouco de "raiva" do projeto cinematográfico. Porém, sinceramente, o importante é deixarmos um pouco de lado o patriotismo e analisarmos a produção como um todo. Devido a isso, digo com toda a certeza que "Turistas" não é apenas uma lástima devido ao modo como retrata o nosso país. Em geral, pouquíssimos aspectos do filme foram bem aproveitados. Na realidade, ao escrever isso, infelizmente, não consigo lembrar-me de nenhum ponto realmente favorável do longa.

O estadunidense Alex (Josh Duhamel) decide acompanhar sua irmã Bea (Olivia Wilde) e Amy (Beau Garrett) em uma viagem ao Brasil, país que, para os estrangeiros, é basicamente repleto de mulheres bonitas, praias imaculadas e muitas festas. O destino deles é ligado ao de mais três turistas – Finn (Desmond Askew), Laim (Max Brown) e Pru (Melissa George), a única entre eles que sabe falar português. A união entre os seis gringos se dá após um acidente em um ônibus provocado pela negligência do motorista (este homem, por sinal, chega a provocar um certo asco no espectador ao simplesmente cutucar o nariz e cuspir sem nenhum motivo, o que figura algo totalmente desnecessário). Frustrados, eles tentam recuperar o resto do dia no que parece ser um bar perto de uma praia ao invés de permanecerem muito tempo à espera de outro ônibus. Todavia, os turistas não faziam idéia de que essa decisão poderia alterar o curso de suas vidas para sempre. Após curtirem bastante as praias e a noite brasileiras, os estrangeiros notam que foram drogados e roubados, perdendo, dessa forma, todos os seus pertences, inclusive os documentos. No entanto, o que eles não sabem é que um plano bem mais maquiavélico, que inclui até mesmo retirada de órgãos humanos, está reservado para eles.

Sinceramente, não é segredo para ninguém que o Brasil é visto como um lugar repleto de praias belíssimas, mulheres bonitas e fáceis, muita folia, além de possuir violência e miséria constantes. Praticamente sempre, nós, brasileiros, procuramos dizer que o nosso país não deve ser conhecido apenas por isso, já que tem características realmente únicas que não devem ser ligadas apenas a fatos corriqueiros e sem importância. É, de fato, uma lástima o Brasil possuir uma imagem tão distorcida perante os estrangeiros, mas não podemos negar que boa parte das características citadas no começo deste parágrafo existem e muitos brasileiros fazem questão de louvá-las – não entendo muito bem o porquê. Não pretendo criticar o filme em questão por trazer a tona – mais uma vez – essa percepção que muitos possuem do nosso país. Não há como esconder que, aqui, realmente existe violência, assim como na maioria dos lugares do mundo. Inclusive, do nosso próprio cinema brasileiro, são advindas produções que relatam a miséria vivida pela população brazuca de uma forma bem mais dura e convincente. Talvez muito alarde tenha sido feito em cima de "Turistas", embora este realmente traga certos estereótipos ridículos de serem vistos e ajude a denegrir ainda mais a imagem que o Brasil tem lá fora. Se o diretor John Stockwell tivesse usado um pouco mais da sensibilidade, poderia ter construído um filme que não servisse para ridicularizar a nossa população e que possuísse, ao mesmo tempo, conteúdo.

"Turistas" não é somente uma vergonha para o Brasil, e sim para o cinema como um todo. Não possui seqüências realmente marcantes, faz uso de um roteiro completamente raso e descartável, além de possuir mais tempo do que deveria – e olhe que o filme não chega a ser realmente duradouro, visto que tem apenas 90 minutos. John Stockwell, em certos momentos, pareceu produzir um certo esforço para dotar algumas cenas de ação e tensão, tentando envolver totalmente o espectador com a "caçada" e a "trajetória" dos gringos em questão. A direção de Stockwell também se mostra um pouco confusa ao tentar abordar erroneamente uma fuga durante a noite. Sem agilidade no uso de câmeras, o cineasta não demonstrou estar tão a vontade quanto deveria e conseguiu fazer com que o espectador se confundisse perante as imagens. Com todas essas tentativas de fazer com que o filme fosse um típico exemplar de terror/horror tenso, Stockwell apenas conseguiu dotar o longa-metragem de mais tempo do que o necessário. Sinceramente, assistir à uma perseguição embaixo d’água, onde um "vilão", sem nenhuma arma aparente, sai à procura de três "mocinhos", durante uns 10 minutos torna-se sacal. Assim como conferir uma cena na qual uma norte-americana pergunta se pode fazer topless é totalmente desnecessário. Devido a certos elementos como esses que digo que o filme poderia muito bem ser um média-metragem e a história não sairia nem um pouco prejudicada.

Durante o longa, são vistas duas visões básicas do Brasil. Alternando imagens de miséria e pobreza com o visual paradisíaco do país, contribuiu ainda mais para que uma visão rasa de que apenas existem praias e mulheres bonitas e pobreza fosse estabelecida. O roteiro escrito por Michael Ross não traz nenhum elemento novo e interessante. Não criamos sequer simpatia pelos turistas, ou seja, há uma total ausência de vínculo criado com espectador e personagens. Em qualquer filme de terror/horror em que haja perseguição, é normal que torçamos para que os protagonistas saiam vivos da trama. Posso correr o risco de parecer fria, mas, para mim, sinceramente, tanto fazia se os seis gringos em questão falecessem ou não. Os personagens também foram abordados de forma rasa e, contribuindo ainda mais para que se tornassem praticamente descartáveis para a história. A trilha sonora, por sua vez, é outra lástima do longa-metragem. O Brasil é visto, de certa forma, como o país do samba, então, por que não abordar também esse tipo de música? Sinceramente, não sou fã desse estilo, mas não posso negar que muitas de nossas origens advêm dele. A escolha de várias canções de funk foi totalmente infundada e não contribuiu para que o filme se tornasse mais atrativo para ninguém. Em certa cena, uma personagem do filme inclusive explica o que a letra de uma canção quer dizer, incluindo que é bastante "safada", ou alguma palavra parecida. Pois é. Também confesso que, sinceramente, não entendi muito bem a inclusão de algumas canções durante o filme. A título de exemplificar o que digo, na última cena, por exemplo, é tocada uma música cantada pela ótima Adriana Calcanhotto que simplesmente não se encaixa em nada da produção. No mínimo, deprimente.

E o que dizer do elenco? Fazendo uma mixagem de brasileiros com estrangeiros, a equipe de atores apenas não se tornou mais decepcionante devido à presença dos seis gringos protagonistas. Não que estes tenham realmente se destacado, mas pelo menos não foram tão deprimentes quanto as participações brasileiras. Para não ser totalmente injusta, o único conterrâneo nosso que se salva é o jovem carioca Agles Steib, que interpreta Kiko. Steib demonstrou, de fato, não possuir bastante experiência perante as câmeras, mas a sua presença e simpatia fizeram com que a sua atuação fosse destacável perante as outras – o que, convenhamos, não significa muita coisa. Josh Duhamel, ao compor Alex, apenas demonstrou-se correto, não inovando nem um pouco e não transmitindo mais emoção do que deveria. Olivia Wilde, no papel de Bea, tornou-se somente "atrativa" pela sua pequena semelhança com a australiana Toni Collette. Já Melissa George, ao interpretar Pru, diferenciou-se dos demais por ser responsável pelo único personagem estrangeiro que arriscava falar um pouco em português. E só.

"Turistas", portanto, nada mais é do que um projeto cinematográfico totalmente descartável, não somente por denegrir, de certa forma, a imagem do Brasil perante as outras nações, e sim por trazer uma trama rasa, sem conteúdo e bastante mal desenvolvida pelo diretor John Stockwell. Com músicas que não captam em nada a essência do povo brasileiro e uma fotografia que poderia ser abordada de uma forma bem melhor, visto que o nosso país realmente dá margem para isso, o filme torna-se uma das piores opções – se não a pior – em cartaz nos cinemas atuais.

Andreisa Caminha
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