Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 09 de março de 2007

Superman e o Homem de Verruga

Neste primeiro longa-metragem de Superman, o herói não enfrenta Lex Luthor, mas um inimigo muito mais pernicioso: o preconceito. Um filme obrigatório para os fãs que, embora seja tecnicamente falho, traz uma ótima interpretação de George Reeves como o personagem título e, acima de tudo, diverte.

O Super-Homem (tratado assim por mim, pois sou da época do Super-Homem, não do Superman), já teve diversas adaptações para outras mídias. Algumas mais marcantes, outras totalmente esquecíveis. "Super-Homem e os Homens Toupeira", a segunda adaptação do super-herói original para as telas com atores reais (antecedida pela cine-série de matinê estrelada por Kirk Allyn) e a série de TV originada pelo longa tornaram-se lendárias, não só por seu sucesso e pelo legado do último filho de Krypton, mas pelo trágico destino de George Reeves, o intérprete do seu protagonista, que se matou com um tiro em 16 de junho de 1959.

Mas vamos nos ater a este que foi o primeiro longa-metragem estrelando o Homem-de-Aço. A produção, de 1951, foi feita com recursos extremamente precários, até mesmo para os padrões da época, contando a origem do Super-Homem de forma bastante parecida com a da série animação dos irmãos Fleischer, com narração em "off" falando sobre Krypton e sobre seu ilustre último sobrevivente, numa origem um pouco diferente da qual estamos acostumados, mas sem entrar em muitos detalhes sobre o assunto. Somos então levados a Silsby, uma pequena cidade no interior do Texas, com 1430 habitantes, orgulhosamente apresentando em sua placa ser o lugar com o "poço de petróleo mais fundo do mundo". Lá, Corrigan (Walter Reed), o responsável pela escavação, resolve, misteriosamente, parar com a escavação e enterrar todas as ferramentas utilizadas na obra, que já ia com mais de 9.900 metros de profundidade. Neste momento chegam de Metrópolis dois repórteres do Planeta Diário, Clark Kent (George Reeves) e Lois Lane (Phyllis Coates), acompanhados do assessor de imprensa da companhia de petróleo. Enviados para lá para fazer uma reportagem sobre o poço, são pegos de surpresa pelo fechamento deste. Kent fica desconfiado de algo, mas Lois não confia muito no instinto do colega e só quer saber de sair o mais rápido possível daquele fim de mundo. Enquanto isso, criaturas misteriosas saem do poço de petróleo, vagando pela cidade.

Durante a noite, o nosso desconfiado protagonista resolve dar uma passada na obra para investigar, devidamente acompanhado da Srta. Lane. Quando os dois repórteres chegam na cabana do vigia, o encontram morto, aparentemente vítima de um infarto. Enquanto Clark investiga os arredores, Lois avista as criaturas e grita, em pânico. Após ser desacreditada por todos, resolve voltar ao hotel, enquanto Clark e Corrigan esperam pelo legista levar o corpo do idoso vigia. Clark pressiona Corrigan, que conta sobre amostras de rádio (é, aquele elemento da química, mas quem se importa com ciências num filme de super-heróis?) encontradas durante a escavação, tendo parado a mesma por medo de envenenamento radioativo. Após outra aparição das criaturas, seguido de um acidente, a população, liderada por Luke Benson (Jeff Corey) – um cidadão que deveria ser presidente da sede local da associação nacional do rifle – resolve se livrar das criaturas de qualquer maneira, ignorando os avisos de Clark e Corrigan sobre a possibilidade de tanto as criaturas serem inocentes quanto radioativas, obrigando o alter-ego do nosso gentil repórter a tomar algumas atitudes…

Algumas coisas os espectadores que acompanharam as aventuras do homem do amanhã apenas nos filmes estrelados por Christopher Reeve e, mais recentemente, por Brandon Routh, vão estranhar. O Clark Kent de George Reeves não lembra em nada o ingênuo Clark da série de filmes posterior, sendo mais sério e determinado, agindo mais como um repórter investigativo deveria agir ("O que puder provar, eu publico"), dando um enfoque menos cartunesco a essa faceta do personagem, enquanto seu Super-Homem é mais pró-ativo, com uma personalidade forte e bondosa, mas não exitando em momento algum usar – moderadamente, é claro – de força bruta em sua "batalha sem fim pela verdade, justiça e estilo de vida americano".

Já a Lois Lane de Phyllis Coates se mostra bem parecida com a Lois de Margot Kidder, intrépida, opinativa, avançada, moderna (e apaixonada pelo Homem-de-Aço). O resto do elenco está bem afinado, sem nenhum ponto mais fraco. Quanto à produção, os efeitos especiais, obviamente soam risíveis ante aos nossos filmes modernos, mas, fora um resgate feito pelo Super-Homem numa represa, não comprometem a diversão (até pela redução significativa dos poderes do Homem-de-Aço no filme). Já o visual dos homens toupeira é meio estranho a primeira vista (se trata de anões vestidos com roupas pretas e peludas e toucas simulando carecas), mas, graças à interpretação dos pequenos atores, acabamos por simpatizar com eles.

O roteiro possui alguns pequenos furos, principalmente pelo fato de Lois não notar o fato de, por coincidência, o último filho de Krypton estar presente na mesma cidade do Texas (extremamente remota, devo frisar) que Clark Kent. Mas esse é um furo que já aprendemos a suportar e até rir um pouco dele. Porém há um ponto tocado no roteiro bastante importante. As criaturas são caçadas apenas por serem diferentes, não tendo feito mal algum a qualquer habitante da cidade. Essa verdadeira "caça às bruxas" foi uma forma do roteirista Robert Maxwell tratar de um tema em voga na época, que era a caça aos comunistas liderada pelo Senador Joseph McCarthy, que acabava com vidas e reputações pela mera suspeita de simpatia, de qualquer um que fosse, ao comunismo, dando uma certa importância histórica a produção.

Enfim, uma boa diversão para fãs do Homem-de-Aço, disponível como extra no último disco do DVD triplo de "Superman – O Filme" (com o título terrivelmente traduzido para "Superman e o Homem de Verruga"). O longa fora posteriormente dividido em dois episódios da série de TV do herói estrelada por Reeves e também está presente no box da primeira temporada de "As Aventuras do Super-Homem" (nem a própria Warner se decide entre "Superman" e "Super-Homem"…), com o título de "Super-Homem e o Povo Estranho".

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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