Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 09 de março de 2007

Beleza Americana

Sam Mendes, com seu "Beleza Americana", conseguiu cravar um punhal no coração da sociedade americana revelando seu ponto mais fraco: a degeneração dos valores familiares. Com sensibilidade e sarcasmo, Mendes reúne elementos suficientes para criar uma obra espetacular e, por que não dizer, até mesmo clássica.

Um dos maiores orgulhos do povo americano é a liberdade concedida por sua nação. Esse conceito liberal, embora pareça atrativo e quase utópico, algumas vezes revela-se um tanto quanto perigoso, já que "liberdade" pode ser entendida como falta de limites. A família, principal pilar de uma sociedade, é a primeira a sofrer o impacto causado pela ausência de valores. Este fato pode ser facilmente notado hoje em dia, quando vemos o crescimento do número de casamentos desarmoniosos, a juventude cada vez mais rebelde e promíscua e o alastramento da corrupção, por exemplo. E é neste contexto que somos convidados pelo protagonista de "Beleza Americana" a olhar mais de perto o cotidiano de sua família aparentemente "normal", mas que, no entanto, encontra-se prestes a entrar em colapso.

A história tem início quando Lester Burnham (interpretado brilhantemente por Kevin Spacey), cansado de sua vida mesquinha e coagida, decide mandar o que for politicamente correto para os ares e fazer o que lhe der na telha, como, por exemplo, pedir demissão do trabalho, usar drogas e dar em cima da melhor amiga da filha. Sua esposa Carolyn (vivida pela sempre talentosa Annette Bening) é uma mulher extremamente perfeccionista, cuja maior preocupação é viver de aparências. A filha do casal, Jane, é o fruto dessa relação tão caótica, e acaba por se tornar uma adolescente rebelde e insegura. Embora a descrição dessa família pareça um tanto quanto bizarra, o filme faz questão de nos mostrar que qualquer família tem suas "estranhezas", como pode ser observado na casa vizinha a dos Burnham.

A riqueza de detalhes é um dos pontos fortes do longa. O excelente resultado final é devido a diversos fatores, como a criatividade com a qual o diretor Sam Mendes (por incrível que pareça, em sua estréia no cinema) conduziu uma história relativamente simples, porém extremamente rica em nuances e símbolos, além de ser despida de qualquer pudor (graças ao roteiro formidável escrito por Alan Ball). Outros pontos altos são a belíssima fotografia e a inesquecível trilha sonora, que sem dúvida nenhuma é uma das mais originais e diferentes trilhas realizadas nas últimas décadas.

Dentre as simbologias, podemos destacar a da rosa e a da cor vermelha. A primeira representa a beleza, cuja principal característica é a efemeridade e a fragilidade. Para Lester, a rosa é a beleza física, como podemos observar nos sonhos que este personagem tem com a melhor amiga de sua filha (um exemplo é a clássica cena na qual a atriz Mena Suvari está nua e envolta em pétalas). Já para Carolyn, as rosas representam a frágil e apresentável aparência que ela constrói em torno de si e de sua família. Quanto à cor vermelha, esta significa a tão sonhada liberdade (e está intrinsecamente ligada à beleza), que algumas vezes pode se tornar perigosa e traiçoeira. Um belo exemplo é a porta vermelha da casa dos Burnham, única saída para a loucura e instabilidade daquele ambiente familiar. Outro exemplo também é o sangue, que representa a derradeira liberdade do espírito através da morte.

Por falar em morte, o fim do personagem de Kevin Spacey (não se preocupe leitor, porque este fato é apresentado nos primeiros minutos do filme) representa o clímax na história de todos os personagens. O próprio Lester, em seus últimos momentos de vida, aprende que o mais importante está no preto-e-branco, nas lembranças e nos pequenos detalhes. E, embora essa tal "Beleza Americana" possa parecer sedutora, exuberante e colorida, nada mais é do que uma rosa cheia de espinhos.

Diego Coelho
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