Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 25 de fevereiro de 2007

Clube do Imperador, O

Uma envolvente e cativante trama caracteriza "O Clube do Imperador". Apesar de abordar um assunto digamos que "comum", o filme o faz com extrema competência e atitude, fazendo com que diferentes sentimentos sejam despertados no espectador ao se deparar com marcantes lições de vida.

"O Clube do Imperador" é exatamente o tipo de filme que apresenta lições de vida inesquecíveis de maneiras surpreendentes. Baseado no livro escrito por Ethan Canin, o filme traz a história do professor de história William Hundert, um homem de impecável competência e caráter apaixonado por História e pelo seu trabalho. Ele leciona em St. Benedict's, uma escola preparatória apenas para garotos e, ainda por cima, da mais rica classe da sociedade. Hundert, acima de tudo, é mais do que um simples professor. Seu intuito é ensinar seus alunos a viverem. Através de filósofos, antigos imperadores, pensadores e fatos históricos, o professor passa os dias proporcionando momentos muito mais do que acadêmicos. Essa rotina continua até a chegada de um rico e mimado garoto chamado Sedgewick Bell, filho de um influente senador dos EUA. Inicialmente, o jovem confronta as idéias e posicionamentos de Hundert. No entanto, a situação começa a fugir do controle do professor, que tenta tomar as rédeas novamente motivando o astuto garoto a estudar e se esforçar mais. Acreditando na capacidade de Bell, o professor acompanha uma envolvente ascensão do jovem aluno academicamente. Porém a decepção parece tornar-se cada vez maior quando a confiança de Hundert aumenta e acaba sendo subestimada.

O filme conta com um envolvente e interessante roteiro, que desenvolve fatos curiosos e que mexem com os sentimentos do espectador a ponto de uma contradição de emoções ser decorrente das cenas que envolvem o professor Hundert, o arrogante Sedgewick e todo o restante das personagens. O roteirista Neil Tolkin consegue inclusive manter a trama em alta, jogando-a para 25 anos no futuro, onde novamente os conflitos são abordados e chegam ao seu ápice. Inevitavelmente, as personalidades das personagens por si só não só justificam as atitudes tomadas em determinadas situações como também conduzem a trama ao seu desfecho que, de maneira sutil, comove e surpreende. A finalização da história satisfaz literalmente por não abordar tanto a idéia de mudanças de caráter e superação dos erros cometidos. Um erro de um professor extremamente competente e de bom caráter e a arrogância de um garoto mimado e rico permanecem evidentes até o final do filme e sendo cada vez mais evidentes, encontrando seu ápice também no reencontro das duas personagens e do grupo de alunos da escola. Vale ainda ressaltar a excelente pesquisa cultural feita e retratada no filme, que aborda muitos contextos históricos interessantes, além de ser primoroso a maneira como Tolkin desenvolve algumas deixas que são solucionadas no final do filme. Como exemplo, é muito inteligente a abordagem incessante de termos usados anteriormente no longa (como a placa na sala de aula no início do filme) que voltam a ser repetidos e, principalmente, a moral da história estar diretamente relacionada com o lema do colégio ("O fim depende do começo").

A direção de Michael Hoffman apresenta um certo teor de caráter britânico e antigo dos planos e da imagem, fornecendo assim um tom agradável para o projeto. É um ótimo trabalho do cineasta, que consegue manter o controle do longa durante todos os momentos, fator que auxilia muito na construção das personagens por parte dos atores. Em algumas cenas, um deslize ou outro em algumas atuações podem ser notados e, neste ponto, o toque de Hoffman poderia ter sido um pouco mais preponderante. No entanto, são pequenos aspectos que em nada interferem no conjunto da obra e fazem com que o diretor obtenha um satisfatório resultado final a frente do longa.

Vale a pena também ressaltar o bom trabalho da direção de arte e dos produtores do longa. Há muita coerência entre as cenas, inclusive nas que se referem à passagem de tempo. É muito interessante visualizar o crescimento das personagens no fim do filme, já que a escolha dos atores para tal intenção foi muito bem sucedida. O mesmo pode-se dizer de detalhes minuciosos que compõem as seqüências de cena em geral. Há muita preocupação em não deixar furos e sempre caracterizar os ambientes e cenários e tal fator auxilia diretamente no desenvolvimento da trama. A maquiagem também é um fator muito positivo e, para comprovar tal afirmação, basta conferir o início do filme, onde Kevin Kline aparece envelhecido. Além dele, outros atores também passaram pela mesma caracterização e o trabalho artístico nada deixou a desejar.

Quando o assunto passa a ser o elenco, também nos deparamos com um bom resultado. O veterano Kevin Kline está sensacional e muito convincente. Talvez este não seja um dos seus melhores trabalhos, mas, mesmo assim, é uma atuação digna de admiração e respeito. O veterano ator consegue transmitir diferentes sentimentos relativos às situações que ocorrem ao longo do filme, mas em momento algum perde a autoridade característica de sua personagem. Uma surpresa agradável é a atuação do grupo de garotos, sendo o destaque Emile Hirsch, que está muito bem como Sedgewick Bell. De forma muito competente, o jovem ator passa uma impressão arrogante e esnobe em momentos oportunos, assim como a preocupação com o pai e a revolta com as situações adversas ao seu personagem. Em geral, as atuações dos alunos do Sr. Hundert chegam inclusive a superar a dos atores que interpretam os mesmos personagens quando adultas. O destaque positivo, além de Kline e Hirsch, fica também por conta de Harris Yulin no papel do Senador Bell.

Analisando basicamente, "O Clube do Imperador" não seria um filme que chamaria a atenção do público em geral devido sua sinopse simples e sua temática um tanto quanto comum. Acredito até que há quem consideraria esta uma produção baseada em "Ao Mestre, Com Carinho". No entanto, quando o filme é visto, o espectador pode se deparar com um excelente roteiro transformado em cenas comoventes e capazes de atingirem a qualquer um. Com direito a uma agradável trilha sonora que corresponde aos sentimentos proporcionados pelas situações relatadas, o longa é digno de elogios e, com certeza, vale a pena ser conferido por saber com muita qualidade como retratar diferentes personalidades através de atitudes inimagináveis. Para isso, oito estrelas que fazem jus a excelente trama desenvolvida e a capacidade de comprovar que arrogância e desonestidade nem tudo conquistam.

Ícaro Ripari
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