Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 25 de fevereiro de 2007

Normais, Os – O Filme

O sucesso do seriado nacional "Os Normais" seria inevitável não gerar um sucesso semelhante quando foi levado aos cinemas. Para os fãs da dupla mais engraçada dos últimos tempos é um prato cheio para bolar de rir com as ousadas situações que os personagens se meteram em "Os Normais – O Filme". Os que não acompanharam os episódios semanais televisivos, ainda assim têm diversão garantida.

Quem não agüentava só os trinta minutos dos episódios do seriado "Os Normais" vai ficar bastante satisfeito com a overdose de quase uma hora e meia. Os protagonistas Rui (Luis Fernando Guimarães) e Vani (Fernanda Torres) vieram para mostrar como se conheceram, já que no seriado os dois vivem situações corriqueiras de um casal "normal". No longa, Rui e Vani estão prestes a se casar. Ela com Sérgio (Evandro Mesquita), ele com Martha (Marisa Orth). As coincidências acontecem logo de cara. As cerimônias estão marcadas para a mesma igreja, e os dois casais não aparentam ser tão felizes assim. É quando Vani e Rui se conhecem, quando ela lhe pede um pouco de arroz para comemorar o casamento que está para ocorrer. A partir daí, eles vivem em uma noite muita coisa que um casal não vive em anos de relacionamento.

Fazer comédia no Brasil é muito fácil. Primeiro porque temos comediantes de primeira linha e se caem nas mãos de um bom roteiro que crie um personagem marcante para o público é quase o suficiente para fazer sucesso. Quando as comédias vão ao cinema, parece que sempre falta alguma coisa. A brevidade da história e o mal desenvolvimento dos personagens nem sempre são feitos, e o público fica a mercê de uma comédia gratuita. "Os Normais" já tinha um histórico a manter. O sucesso não foi em vão e seu desaparecimento das telinhas foi quase um baque inaceitável para os fãs. Rui e Vani são as caricaturas das loucuras de cada um. Eles são aqueles que falam tudo que gostaríamos de falar e de perguntar, mas por algum motivo nem sempre os fazemos. A idéia de levar os dois para viver mais uma aventura louca nos cinemas foi basicamente o principal para abrir expectativas em boa parte dos cinéfilos. Claro que tinha a grande chance de ser um fracasso ou "mais um episódio que nem foi tão engraçado assim". O problema é que mostrar os eventos de como surgiu o relacionamento dos dois foi o melhor acerto dos roteiristas Alexandre Machado e Fernanda Young. Não que seria fundamental para o público saber disso, já que o seriado se mantinha bem com o estereótipo de situações escrachadas vividas pelos dois, mas talvez se o longa tivesse sido "somente mais um episódio", realmente não teria movido tanta gente ao cinema.

Alexandre e Fernanda escolheram a situação certa para ambientar o fato de como Rui e Vani se conheceram. Seus respectivos casamentos não poderiam deixar de ser a melhor forma de fazer os dois se apaixonarem. Presenteando o público com risada atrás de risada, a princípio quase não conseguimos nos convencer de que Rui e Vani não se conheciam. Talvez o fato de saber que o amor existente entre eles (presente nos episódios) é tanto, apesar das brigas e discussões, nos distanciasse de que algum dia eles realmente nem sonhavam em encontrar alguém tão especial. Mas encontraram. O roteiro mostra que os dois teriam tudo para dar certo, pois enfatiza bem nas paranóias de cada um e desenvolve bem os personagens na medida em que as coisas vão acontecendo. Luis Fernando Guimarães tem um jeito bastante particular de fazer rir. Sempre versátil ao expressar seus diálogos, dá uma gradação incrível a Rui e talvez este personagem tenha prejudicado parte de sua carreira, por ter feito tanto sucesso e por ele não conseguir se desvencilhar de atuais comparações em seus novos papéis, que sempre remetem ao jeito em que ele trabalhava em "Os Normais". Acredito que, enquanto ele fizer comédia, ele estará fazendo o Rui.

Fernanda Torres tem um sangue bom correndo nas veias. Ela faz de Vani o maior exemplo do que grande parte de nós somos. Ela é o retrato de que pudor nem sempre existe e que questionamentos precisam ser argumentados da melhor forma possível. Fernanda consegue ser tão natural que particularmente não consigo identificar onde ela se afasta de sua personagem. Com uma presença de cena impecável e seu timing para o humor que é impossível de não rir, a atriz também nunca será esquecida como "a Vani", mas sabe aproveitar as chances de mostrar sua versatilidade, investindo em outros personagens que não remetam só a comédia. Com um roteiro hilário e bons atores, o que poderia faltar? Outros bons atores! Marisa Orth é outra que sabe o que está fazendo. Segura de seu papel, demonstra uma maturidade maior em relação aos protagonistas e, mesmo dando maior espaço para os protagonistas, não passa como despercebida. Já Evandro Mesquita tem um jeito linear demais de ser e realmente poderia ter encarado Sérgio com um humor mais pesado, mas também não faz feio.

José Alvarenga Jr. criou uma relação íntima com o roteiro. É possível perceber que ele sabia muito bem o que extrair de cada cena, tanto cenograficamente, investindo em planos que deslizam sobre a película e não se mostram "prontos" demais, quanto de seus personagens. O cineasta tem uma facilidade incrível de retratar os ousados acontecimentos da melhor forma para fazer o público rir e não desaponta ao longo da projeção, brincando mesmo com a câmera e mostrando que pode haver seriedade na comédia. Por mais que a história dê um jeito de cumprir seus clichês, o jeito como é encaminhada acaba sendo tão aceitável quanto as situações extravagantes do filme, que mesmo assim fazem rir. Sem falar que a afinidade criada entre os quatro personagens principais foi necessário para o bom desempenho da película. Ajudado por uma direção de arte e de fotografia competentes, Alvarenga fez do primeiro encontro de Rui e Vani um marco inesquecível para os fãs e, quem sabe, até para os que não gostavam da série.

Cheio de situações exageradas, mas que nem sempre fogem da realidade, é impossível não se identificar com alguma delas vividas por Rui e Vani. Se no seriado eles falavam tudo que sempre queríamos falar, no filme não seria diferente, e sabem usar do bom humor, beirando o humor negro para fazer algumas críticas sociais como a impagável cena sobre o ex-presidente Collor, saímos com a satisfação de termos visto uma comédia romântica nacional com o besteirol de sempre, mas de qualidade. "Os Normais – O Filme" foi uma forma de eternizar o sucesso da série e não pode passar batido da listinha de filmes nacionais preferidos. Uma verdadeira mostra de que o cinema brasileiro não sabe só usar do drama da periferia para atrair milhões de espectadores e que fazer rir faz bem.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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