Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 13 de abril de 2005

Lenhador, O

Kevin Bacon volta às telonas em um assunto polêmico: abuso de crianças. Não é fácil abordar um tema tão pesado como esse, de uma maneira tão sutil (na medida do possível). Este é um ótimo filme que faz você pensar no drama de um pedófilo que tenta se recuperar.

A realidade de quem é preso e tenta se reabilitar após sair da prisão não é fácil. A sociedade possui um enorme medo de dar oportunidade a ex-presidiários, justamente por receio de que ele apronte na sua empresa. Homicida, ladrão de banco ou marginal. Imagine quando se trata um pedófilo. Esse tipo de gente só não é espancado e morto quando a polícia protege. Muitas vezes, até o policiais colocam essas pessoas em celas com uma galerinha que vai matar com certeza. Eles não toleram isso. É quase uma regra. Estuprou ou mexeu com criança, significa comprar o passaporte pra debaixo da terra.

E quando o cara tenta se recuperar? Dificilmente ele é compreendido ou aceito. Abuso de menores é ato violento e injustificável. Coisa de doente mesmo. Distúrbio mental. Você, no filme, passa a imaginar a vida desse cara. Como ele enfrenta os conflitos pessoais, no trabalho e na doença.

Após doze anos na prisão, Walter (Kevin Bacon) chega a uma pequena cidade, em liberdade condicional, e muda-se para um apartamento em frente a uma escola primária. Ele consegue um emprego em uma serraria e leva sua vida de forma isolada e quieta. Ex-condenado por pedofilia, Walter é evitado por sua família, excluído pela maior parte de seus colegas de trabalho, e é vigiado por um oficial de polícia, Detetive Lucas. Seus únicos aliados são seu cunhado, Carlos e Vickie, mulher independente e forte, que capta toda dor e vulnerabilidade exposta por Walter através de seu silêncio e solidão. O relacionamento que surge entre eles, de um desespero exposto e cru, emociona a platéia profundamente.

Walter, atormentado por sua consciência, parece determinado a sufocar seus impulsos sexuais predatórios. Porém, ao conhecer uma menina em um parque do bairro, Walter inicia uma batalha terrível contra seus demônios internos. O mais inquietante nesta batalha é não se saber quem vencerá: seus instintos mais nobres ou seus demônios internos.

Kevin Bancon está ótimo. Principalmente pelo o ótimo trabalho realizado pela roteirista e diretora, debutante em filmes, Nicole Kassell. Ela, aderindo ao momento atual do cinema mundial, faz um filme adulto e bem honesto. Voltando a falar de Bacon, existe uma cena no filme que é perfeita. Em um ato, por cerca de dois minutos, a câmera está focada no rosto de Walter (personagem de Bacon) e um diálogo acontece. O seu psiquiatra pede para ele falar sobre seu passado com sua irmã mais nova. Chocante ver a expressão de Bacon mudar à medida em que as coisas são reveladas.

O bom do filme é que ele não é longo. Consegue prender você do começo ao fim, sem desviar a atenção. Os demônios que rodeiam Walter são percebidos nas nuanças do silêncio prolongado.
Algo que não comentei antes, é que Walter, ao sair da prisão em condicional, conseguiu um apartamento em frente à escolha primária. Como é que o cara vai se recuperar da pedofilia morando colado a crianças? E o pior, ele percebe que existe um outro pedófilo agindo próximo ao colégio. Sem falar no chato do policial que vai todo ao seu apartamento humilhá-lo.

Uma cena que eu recomendo e que mexeu comigo é quando Walter conversa com a menininha no parque, sentado no banco. O autocontrole ali é o que faz cinema ser tão real, algumas vezes. O pior é que a pedofilia caseira é mostrada de uma forma tão absurda, que você pensa que em algumas tradicionais famílias, esses abusos acontecem e somem.

Jurandir Filho
@jurandirfilho

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