Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 08 de julho de 2021

The Hole in the Ground (2019): terreno fértil para o terror psicológico

Antigos medos e traumas familiares são modernizados neste instigante suspense dirigido pelo irlandês Lee Cronin.

A realização de obras cinematográficas constantemente envolve uma série de decisões das quais seus realizadores veem-se obrigados a tomar para ditar os rumos da produção. Todavia, seja para o bem ou para o mal, na esmagadora maioria das vezes, os cineastas contornam tais desafios de maneira pragmática, seguindo fórmulas seguras e já bastante familiares ao grande público, atendendo, assim, às expectativas do espectador médio. Felizmente, há exceções como “The Hole in the Ground”, coprodução irlandês-finlandesa que, embora não subverta o gênero, possui uma sutileza acima da média. Conseguindo a proeza de referenciar clássicos como “O Iluminado” e ainda ser capaz de imprimir uma certa dose de autoralidade que faz toda a experiência valer a pena.

A trama acompanha Sarah (Seána Kerslake), uma mãe solteira que se muda para o interior da Irlanda com seu filho Chris (James Quinn Markey). Ao chegar no novo lar, ambos se deparam com um gigantesco buraco localizado no centro de uma densa e sombria floresta próxima a sua residência. Com o passar do tempo, Chris apresenta comportamentos cada vez mais sinistros. Após começar a investigar o caso, Sarah passa a suspeitar que aquele estranho menino, na verdade, pode não ser seu filho.

Ainda que se baseie numa antiga lenda do folclore europeu na qual crianças são raptadas por criaturas místicas, o diretor e roteirista estreante em longas-metragens, Lee Cronin, concentra-se em abordar as fobias contemporâneas de uma jovem mulher vítima de violência doméstica que, da noite para o dia, se depara com a tarefa de criar uma criança sozinha. Ao menos, isso é o que o roteiro de forma não expositiva sugere à medida em que até um menino ingênuo como Chris reconhece o mal que seu pai fazia a sua mãe, chegando ao extremo deles precisarem se mudar para evitá-lo. Além disso, também há uma clara analogia do ferimento na testa de Sarah que, assim como o buraco na floresta, aparenta encobrir algo terrível.

Alinhada com a proposta, Kerslake concede a sua protagonista um genuíno instinto maternal somado a um senso de desorientação quase tangível. Já Markey, por sua vez, compõe com primazia duas versões do mesmo personagem: o indisciplinado Chris do início do filme, cujas expressões de tristeza e postura curvada evidenciam todo o seu descontentamento e inadequação, e o garoto bem comportado que ele se torna a partir do segundo ato, cujo semblante vazio e postura ereta lhe concede um aspecto seguro, porém indiferente, semelhante a alguém em quadro depressivo que recentemente passou a fazer uso de antidepressivos e estabilizadores de humor.

A bela fotografia escura de Tom Comerford (“Rose Plays Julie”), gerada por luzes duras semelhante a de velas, ajuda a reforçar a constante atmosfera soturna que o longa-metragem ostenta. Algo que perdura inclusive nas cenas situadas durante o dia. Valendo-se disso, Cronin mantém uma crescente tensão até os minutos finais quando, lamentavelmente, entrega um desfecho previsível e tão conclusivo que não resta muito para ser debatido ou especulado, além do que a história já oferece.

À vista, “The Hole in the Ground” é um bom filme de terror psicológico que possui mais acertos do que erros, mas que infelizmente desperdiça a oportunidade de ser algo maior e mais memorável devido à falta de ousadia e ambição de seu criador. Contudo, a obra tem como mérito uma direção bastante hábil e inspirada, um roteiro extremamente coeso e rico em simbolismos, excelentes atuações e uma fotografia capaz de causar inveja na maioria das produções hollywoodianas do gênero.

Alan Fernandes
@alanfdes

Compartilhe