Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 25 de junho de 2021

Na Mira do Perigo (2021): perseguição sem inspiração

Um Liam Neeson numa versão Clint Eastwood é prejudicado por uma história previsível e sem criatividade.

Incansável. Imparável. Inquebrável. Liam Neeson, o inimigo do fim. Beirando os 70 anos, o veterano ator mostra que, apesar da idade, ainda tem lenha para queimar. E enquanto for capaz de se divertir e quebrar alguns ossos, nem mesmo roteiros pouco inspirados e mal dirigidos vão fazê-lo renunciar ao herói de ação que começou a construir lá atrás com “Busca Implacável“. Em “Na Mira do Perigo“, sua mais recente empreitada, ele (comparado em seus últimos filmes a uma espécie de Clint Eastwood, devido ao vigor, senso de justiça e presença de cena) encarna de uma vez por todas a persona do consagrado ator norte-americano. Porém, seu esforço habitual é sabotado por uma perseguição cansativa e poucos momentos que conseguem explorar o potencial do protagonista.

A trama acompanha Jim Hanson (Liam Neeson), um ex-fuzileiro naval que agora vive numa pequena fazenda na fronteira do Arizona. Inconformado com a morte da esposa e em busca de trabalho para evitar que sua casa seja tomada pelo banco local, ele passa seus dias ao lado do amigo inseparável, o cachorro Jackson. A relação com a filha, há tempos, também não é das melhores. Quando os problemas já são muitos, as coisas pioram quando Jim se vê como o defensor de Miguel (Jacob Perez), um jovem mexicano que, ao lado da mãe Rosa (Teresa Ruiz), está fugindo de assassinos de um perigoso cartel. Por várias vezes abordado, o duelo entre mexicanos sanguinários e o salvador norte-americano ganha aqui mais uma versão, que aposta todas as suas fichas na figura do intérprete principal e esquece o resto.

O roteiro genérico de Robert Lorenz, Danny Kravitz e Chris Charles investe na saga do herói improvável e, para isso, conta com a personagem que Liam Neeson vem interpretando ao longo dos últimos anos. A experiência do ator se mostra fundamental para que o filme entregue alguns momentos interessantes, porém, tudo que o rodeia soa artificial demais. Chega a ser surpreendente que um texto escrito por três pessoas não seja capaz de apresentar novas ideias para uma história tão saturada. Desde o vilão – que logo no início da narrativa já muda seu alvo – até o garoto protegido e sua relação de “amizade” com um homem desconhecido, o que se vê é uma sucessão de clichês. Além disso, uma porção de cenas que tentam ilustrar obstáculos acabam reforçando a falta de criatividade.

Encarregado também da direção, Lorenz não nega a fonte que bebe. A longa relação profissional com o lendário Clint Eastwood, que se estende a quase dez filmes como produtor ou assistente de diretor, é uma clara inspiração para este projeto, o que aumenta ainda mais o sentimento de frustração com o desenvolvimento da narrativa. O realizador incha o filme com situações descartáveis e demonstra falta de sensibilidade para registrar o conflito familiar. Além disso, a dinâmica entre o protagonista e o garoto mexicano, que poderia ser um dos pontos altos para despertar a empatia do espectador, anda em círculos e deixa em eterno suspense a expectativa de que irá se aprofundar. Ao propor um road movie, o envolvimento com aqueles que o público acompanha é essencial, mas aqui carece de ação e emoção.

Com um roteiro sofrível e uma execução pobre de ideias e movimentos, o peso de levar a produção adiante recai sobre o veterano Liam Neeson. Como sempre o irlandês se empenha, ainda que fisicamente pareça mais enferrujado. Acontece que nem a presença imponente dele tem o poder de transformar a personagem caricata do ex-fuzileiro naval aborrecido numa figura intrigante e a jornada notável. “Na Mira do Perigo” chega para assumir, com sobras, o posto de obra mais desinteressante da carreira do intérprete, indo na contramão de tudo que fez até agora: filmes ágeis, divertidos e repletos de situações de tirar o fôlego. Tem-se uma porção de elementos que poderiam resultar num conteúdo para lembrar do bom e velho Clint, só que aqui é mais fácil esquecer do bom e velho Neeson.

Renato Caliman
@renato_caliman

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