Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 28 de maio de 2021

O Divino Baggio (Netflix, 2021): um pênalti para fora muda tudo

Drama biográfico sobre o talentoso jogador italiano apresenta uma carreira de superações dentro e fora de campo.

“Baggio e Taffarel. Vai partir, vai que é tua, Taffarel. Partiu, bateu, acabou! É tetra”. A narração de Galvão Bueno para os pênaltis entre Brasil e Itália na final da Copa do Mundo de 1994 tem diferentes perspectivas. Enquanto o Brasil vibrava com Romário, Bebeto e Dunga, a Itália assistia Roberto Baggio, seu jogador mais talentoso, com as mãos na cintura tentando entender as consequências daquela bola para fora. Imagine ter uma carreira brilhante apagada por um erro? Com esta abordagem, a Netflix lança “O Divino Baggio”, novo drama biográfico sobre as diversas superações do único jogador italiano a fazer gol em três Copas diferentes.

O roteiro de Ludovica Rampoldi e Stefano Sardo (ambos de “O Garoto Invisível“) é dividido em três grandes arcos da carreira do jogador que é interpretado com excelente caracterização por Andrea Arcangeli: a grave lesão quando estava prestes a se transferir do Vicenza para a tradicional Fiorentina, a campanha na Copa do Mundo de 1994 e a reconstrução da sua imagem mais perto da aposentadoria. Toda a obra, porém, envolve dois temas principais: a maneira que o jogador segue se superando mesmo com lesões gravíssimas e a complicada relação com seu pai Florindo (Andrea Pennacchi). Baggio contava muito com a aprovação do pai para seguir em frente. Um exemplo disso acontece quando ele avisa a família que assinou com a Fiorentina e, ao invés de parabenizá-lo, o pai fica feliz que agora ele terá dinheiro para pagar as janelas da oficina, local em que ele treinava quando criança.

Dirigido por Letizia Lamartire (da série “Baby”, também da Netflix), o filme prioriza a ação fora das quatro linhas, o que acaba decepcionando os espectadores que esperavam mais cenas em campo. As poucas partidas de futebol são filmadas com cortes rápidos, demonstrando a velocidade das jogadas e, para enriquecer as cenas no gramado, são alternadas imagens reais e reproduções dos lances, bem fidedignas, diga-se de passagem. Para não precisar se preocupar tanto com detalhes, a saída foi fechar a imagem no jogador, na torcida e no técnico Arrigo Sacchi (Antonio Zavatteri).

Apontando sempre para os momentos de superação, Lamartire acaba deixando de lado grandes feitos do jogador, como o prêmio da Bola de Ouro em 1993 e sua passagem pelos três maiores clubes italianos: o Milan, a Juventus e a Inter de Milão. Com alguns saltos temporais entre atos, a diretora precisa escolher bem o que apresentar em cerca de 1h30. Por exemplo, toda a recuperação da primeira lesão grave é apresentada com os mínimos detalhes, mas não é mostrado o aguardado retorno aos campos. Outro tema que poderia ser melhor desenvolvido é a relação de Baggio com o budismo, que acaba ficando apenas na superfície.

“O Divino Baggio” tem suas falhas ao não mostrar mais cenas dentro de campo, porém, fora dele, apresenta uma biografia bem interessante tecnicamente e respeitosa. Mesmo com todos os espectadores já sabendo para onde vai aquela bola no pênalti de 1994, é interessante ver como a diretora segurou a tensão e a importância do momento. Baggio se aposentou em 2004, aceitando que cometeu sim um grande erro. Não é um chute para fora que apagaria a grandiosidade da sua carreira, que se tornou símbolo de persistência e talento para os italianos.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

Compartilhe