Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 20 de maio de 2021

Mortal Kombat (2021): sangrento e divertido

Apostando todas as suas fichas na nostalgia, o reboot da franquia baseada no game clássico encontra na violência a sua arma mortal.

Criada em 1992 por Ed Boon e John Tobias e consagrada como uma das mais influentes e bem-sucedidas séries de jogos de luta na história dos videogames, “Mortal Kombat” nunca correspondeu à expectativa dos fãs do game quando adaptada para as telonas. Lançado em 1995, “Mortal Kombat: O Filme“, além de se beneficiar do fato de ser contemporâneo do vexatório live-action “Street Fighter: O Filme“, trouxe bons confrontos e uma história minimamente decente, saciando a fome dos entusiastas que finalmente poderiam ver Sub-Zero, Scorpion, Liu Kang e Cia. em carne e osso. A recepção morna foi o suficiente para gerar “Mortal Kombat: Aniquilação“, sequência pouco inspirada, responsável por jogar uma pá de cal nos planos de prolongar a série de filmes por mais algum tempo. Quase 25 anos depois, a franquia ressuscita com “Mortal Kombat“, reboot que resgata a essência do jogo. Apesar dos problemas da narrativa, é um banho de sangue e violência pra fã nenhum botar defeito.

Japão, 1617. A mando do poderoso Shang Tsung (Chin Han), o assassino Bi-Han (Joe Taslim) é enviado à terra para eliminar o clã de Hanzo Hasashi (Hiroyuki Sanada) e assim garantir a vitória da outra dimensão sobre o mundo terreno. Com a derrota de Hanzo e a suposta extinção de sua linhagem, o roteiro escrito por Greg Russo e Dave Callaham (“Mulher Maravilha 1984“) dá um salto no tempo, e séculos depois o controle da terra está a uma vitória do clã liderado por Shang Tsung e Bi-Han, agora conhecido como Sub-Zero. Mas a esperança de impedir que os lutadores de outra dimensão escravizem os seres humanos surge quando Cole Young (Lewis Tan), jovem lutador de MMA, descobre ser herdeiro de Hanzo, e é recrutado para se juntar a um grupo de grandes guerreiros. Liderados por Lord Raiden (Tadanobu Asano), os escolhidos vão travar um combate mortal pela própria sobrevivência e também pelo destino da raça humana.

Apostando num estilo muito semelhante ao de produções do gênero feita pelos fãs, “Mortal Kombat” repensa o passado e dá o play na franquia de uma maneira diferente. Se antes o protagonismo ficava por conta de nomes de peso como Johnny Cage e Liu Kang, agora o diretor Simon McQuoid — fazendo aqui a sua estreia na função — tem o desconhecido Cole Young no papel mais importante do filme. Novato na mitologia do Mortal Kombat, o lutador de MMA (que só entrou em cena por exigência da Warner Bros.) tem sua presença justificada pelo roteiro graças a uma ligação com outro personagem conhecido, o que torna sua trajetória relevante. Compartilhando o protagonismo da história de Cole, a produção mostra que não esqueceu dos fãs e investe num confronto secular entre as duas maiores figuras da franquia: Sub-Zero e Scorpion. A ideia dos realizadores de erguer a narrativa a partir do duelo entre vilões que lutavam do lado sombrio, revela ser um dos pontos positivos, elevando a força e o interesse no que há de melhor aqui: os confrontos.

Sustentada por uma história convincente, o diretor desenvolve a narrativa a partir do famoso fan service, já visando um apelo maior do público para uma sequência. E não há nada de errado nisso. Personagens clássicos como Kano, Kung Lao, Goro e Kabal, além dos já citados, dão as caras, alimentando ainda mais a expectativa sobre o vigor e a brutalidade das cenas de ação, especialidade do jogo e que foi preterida por lutas mais coreografadas nas empreitadas anteriores. Agora, o combate é, de fato, mortal. O diretor australiano parece orquestrar a violência e o derramamento de sangue com o manual de regras do videogame em mãos. Além da violência em nível elevado para censura, impulsionada pelo bom trabalho do departamento de efeitos especiais, o realizador resgata a coleção de frases impactantes que antecedem as ações. Get Over Here, Finish Him e Fatality abrilhantam os diálogos rasos e potencializam as várias sequências.

Porém, os motivos que elevam o filme também são os responsáveis por problematizá-lo. Ao optar pela introdução de vários bons personagens de uma só vez, a narrativa se perde na falta de ideias para desenvolvê-los e sobra para os atores conquistarem o público com seus carismas. Isso desencadeia outra situação desconfortável, já que o elenco, recheado de carinhas pouco ou nada conhecidas em Hollywood, embora empenhado, não tem o apelo e nem o talento para funcionar como chamariz da história, ainda que a eles estejam atrelados figuras muito famosas. Com um texto amador, uma montagem truncada e saídas convencionais, ainda assim “Mortal Kombat” é capaz de se destacar. Apenas com o compromisso de entreter, sem ter que se preocupar com a censura, o retorno da franquia aos cinemas revela que compreender e respeitar a natureza da obra original é a melhor decisão para alcançar o sucesso. Agradar o espectador também.

Renato Caliman
@renato_caliman

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