Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 13 de novembro de 2020

O 3º Andar – Terror na Rua Malasaña (2020): desrespeitoso e formulaico

Dirigido por Albert Pintó, este terror sobre um lar assombrado não faz jus às grandes obras deste subgênero, nem à tradição espanhola de produção apesar de sua qualidade visual.

Atenção: este filme é um novo lançamento nos cinemas que já estão reabertos no Brasil. O Rapadura recomenda que todos consultem os protocolos de prevenção contra o coronavírus de seus cinemas favoritos para garantir sua segurança.

A Espanha é um dos países que mais desenvolveu filmes de terror bem-sucedidos neste século. Desde “Os Outros” de Alejandro Amenábar, “A Espinha do Diabo” de Guillermo Del Toro, e “REC” de Paco Plaza às aclamadas coproduções com o México de “O Labirinto do Fauno“, também de Del Toro, e “O Orfanato” de J. A. Bayona. Assim, não é de surpreender que “O 3º Andar – Terror na Rua Malasaña” tenha um acabamento cinematográfico de qualidade, mas isso não é suficiente para garantir um bom entretenimento.

Para começar, trata-se do (nem sempre) bom e velho filme de casa assombrada. Este subgênero carrega consigo seu próprio conjunto de clichés, que precisam ser reconhecidos quando mais uma produção é proposta. Isso porque muitos esperam pelo menos um detalhe original e o público geralmente se decepciona quando assiste algo com o sentimento de déjà vu. E o que este longa tenta trazer de novo ainda vem com doses de reforço a preconceitos incabíveis em uma obra contemporânea.

A história se passa em 1976, na transição do país da era Franco para o retorno das eleições democráticas. Tirando um possível contexto para os novos sonhos da família Olmedo Jiménez, que vendeu sua propriedade no interior para morar num grande apartamento da capital, tal ambientação só oferece a justificativa para os cenários, objetos e figurinos da época, além de talvez usar seu Zeitgeist como desculpa para justificar o roteiro.

No protagonismo está a jovem Amparo (Begoña Vargas), pronta para começar a vida adulta se não fosse pelas responsabilidades de cuidar do irmão caçula e do avô debilitado. O casal Manolo (Iván Marcos) e Candela (Bea Segura) ainda têm um terceiro filho, Pepe (Sergio Castellanos), que sofre com uma dificuldade para se comunicar. Uma leitura cuidadosa desta família pode concluir que os anos 1970 podem não ter sido o melhor momento para lidar com suas questões individuais, ainda mais com o choque de uma mudança para uma cidade grande. No entanto, “O 3º Andar – Terror na Rua Malasaña” subestima o poder narrativo do drama de seus personagens para focar no que o filme quer privilegiar: os sustos.

Produzir uma obra sobre assombrações em 2020 é lidar com a sombra monumental das recentes grandes franquias de James Wan, “A Invocação do Mal” e “Sobrenatural“, e o diretor Albert Pintó nem tenta se afastar das técnicas já consolidadas para assustar o público. Pior, o roteiro toma emprestado a estrutura manjada de “Poltergeist” lá de 1982 para desenvolver a história e deixar o diferencial só para a explicação final da trama. A propósito, estranhas entidades relacionadas ao novo apartamento rondam a família, especialmente Amparo e o pequeno menino, Rafita (Iván Renedo), buscando algo através deles.

Ao não se preocupar em aprofundar certos temas no desenrolar da trama, as decisões tomadas sobre as caracterizações dos personagens são superficiais e também preocupantes. Em primeiro lugar, a demonização do corpo idoso. É verdade que o terror existencial tem a mortalidade e o decaimento corporal como um dos assuntos mais aterrorizantes que se pode trabalhar. Porém, se esta questão não é objetivo, retratar velhos e pessoas com deficiência mental só pelo efeito enervante é também reproduzir preconceitos direcionados a essas pessoas.

Além disso, fica mais difícil defender as escolhas narrativas de “O 3º Andar – Terror na Rua Malasaña” quando próximo ao fim surgem personagens com deficiência física gratuita e um elemento sexual novo. Tais decisões poderiam até fazer sentido dada a maneira de se pensar dos anos 1970, mas não como aspecto dramático dentro de um filme de 2020. Fica notável então o contraste entre a qualidade técnica e a despreocupação com a narrativa em detrimento do filme.

Não faz mal reproduzir clichês de terror para um público consciente que quer justamente isso. Porém, em respeito aos espectadores que esperam um pouco mais de uma obra cinematográfica, seria necessário um pouco mais de sensibilidade a este longa, que também se beneficiaria de um melhor tratamento de roteiro para sua história. Este refinamento ausente é o que poderia até fazer com que ele funcionasse tão bem quanto outras tantas obras espanholas de sucesso neste gênero, mas infelizmente não foi desta vez.

William Sousa
@williamsousa

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