Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Host (2020): intenso, crescente e orgásmico

Produzida com distanciamento social, esta imersiva obra de terror reproduz uma reunião virtual que dá bastante errado para seus participantes.

Durante a pandemia de 2020, o Zoom se tornou ferramenta habitual de aulas, bate-papos, reuniões e invocações de espíritos por videoconferência. “Host” é o perfeito filme para ensinar como não utilizar a internet para esse último propósito. Produzido durante o período de quarentenas e distanciamento social, a obra contou com os próprios atores para reproduzirem os detalhes do curto roteiro enquanto o diretor Rob Savage orquestrava a gravação remotamente. O resultado é uma ótima execução de técnicas de terror já conhecidas, mas aqui excelentemente encadeadas.

Toda a ação acontece através de uma tela de computador. Haley (Haley Bishop) convida cinco amigos para participarem de uma sessão espírita virtual com uma médium conhecida. A premissa é estabelecida com cuidado para que o público embarque rapidamente na situação, sem questionar sua possível veracidade. Além disso, detalhes sobre os personagens e seus ambientes são introduzidos, sempre lembrando dos problemas técnicos que costumam vir com essas reuniões, como questões de som, problemas de conexão e internet instável. Esta é uma regra básica do subgênero found footage, cuja narrativa leva em consideração sua própria mídia, sejam fitas encontradas em florestas ou arquivos de câmeras de vigilância caseira.

Além da ambientação estética, o projeto não perde chances para tangenciar temas secundários de maneira a começar a construir o clima amedrontador. O filme sabe que as expectativas são que o sobrenatural apareça a qualquer momento, mas pacientemente deixa a tensão acumular aos poucos. Os olhos ficam atentos a qualquer coisa estranha que apareça nas telas, tentando antecipar a origem do terror. Os personagens estão vulneráveis e, quando olham para suas câmeras, somente os espectadores e os outros amigos podem ver o que acontece atrás deles. Isso coloca a audiência para dentro da reunião, compartilhando a mesma angústia que eles.

De certa maneira, o público é preparado para sentir medo assim como as preliminares de uma relação sexual amplificam o prazer. As sequências de ação paranormal são enfileiradas por ordem crescente de tensão. Sua curta duração, de pouco menos de uma hora, reproduz o tempo natural de uma reunião online e não oferece alívios. O equivalente ao orgasmo do terror só chega ao fim e, para anunciá-lo, “Host” ainda tem a audácia de utilizar um temporizador simulando os últimos segundos da videoconferência.

Impressiona notar que os efeitos práticos e técnicas de terror são conhecidos – muitos deles são truques baratos. Há inúmeros outros filmes e vídeos virais que já os exploraram com sucesso. A própria ideia desta obra em questão nasceu de um curta do diretor que viralizou e há muitas semelhanças com “antecessores espirituais”, como “Shutter“, “Unfriended: Dark Web” e, é claro, “A Bruxa de Blair” e “Atividade Paranormal“. A diferença aqui é a eficácia da execução, que se aproveita das características da mídia e da simples história para não perder o foco de assustar… muito.

É justo dizer que a produção também se apoia nas boas atuações do elenco. Elas ajudam a manter uma atmosfera realista (apesar de fantástica) e merecem reconhecimento por serem corresponsáveis pela preparação das cenas e pela captura de imagens. Tirando o fato de o filme ter sido gravado durante a pandemia, não dá para dizer que o contexto ofereça um subtexto para a história, pois ele se sustenta sozinho sem profundas interpretações sobre as angústias do isolamento social e o medo de contaminação pelo coronavírus.

Considerando a tela dividida, o formato traz dificuldades inerentes ao meio para o perfeito direcionamento do olhar do espectador. Dessa forma, nem tudo o que acontece é capturado pela atenção do público. No entanto, as restrições acabam por permitir uma maior imersão e, consequentemente, um mergulho mais profundo na exposição ao terror. É recomendado ainda assisti-lo nas mesmas condições que as dos personagens: na frente de uma tela de computador, sozinho e no escuro, se for capaz e tiver coragem.

William Sousa
@williamsousa

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