Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 13 de julho de 2020

Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado (Netflix, 2020): linda mensagem de amor

Com muito, muito amor e otimismo inquebrantável, documentário apresenta a uma nova geração a história de uma das figuras mais marcantes da televisão mundial.

Astrólogo. Vidente. Milagreiro. Mago. O porto-riquenho Walter Mercado, foi um ser humano de muitas faces, mas se especializou em apenas uma coisa durante sua nobre e tenra vida: irradiar o mundo e a vida das pessoas com mensagens de otimismo, amor e esperança. É bem provável que as gerações mais novas o conheçam por causa de memes. Porém, é quase certo que mesmo sem saber quem era, muitos já viram aquele rosto volumoso carregado de maquiagem, o cabelo vasto e bem penteado e as vestimentas imperiais que usava. Walter Mercado era muito mais do que vestia e o documentário “Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado” convida o espectador a conhecer mais a fundo a figura fascinante por trás das capas brilhantes. O herói dos programas de TV que em sua passagem pela Terra entregou ao mundo os sentimentos de que ele mais necessita para ser melhor.

Distribuído pela Netflix, este documentário dirigido por Cristina Costantini e Kareem Tabsch e narrado com o auxílio do próprio Walter Mercado, acompanha a vida deste icônico astrólogo e amante da vida em atos rápidos, carinhosos e bem demarcados pelas cartas de tarô. Desde um milagre na infância, passando pelas novelas e o teatro até se tornar, por obra do acaso, um dos astrólogos mais famosos do mundo, responsável por hipnotizar milhões de espectadores com sua extravagância e positividade. Conduzido de maneira sensível e fervorosa, a narrativa faz um lindo passeio pela obra do verdadeiro Senhor das Estrelas, com um infinidade de passagens que tem o poder de emocionar ao público bem como o protagonista. Um exemplo disso surge logo no início quando já idoso em sua casa resgata uma fita VHS com uma de suas aparições na TV e a assiste com saudosismo palpável.

Ser diferente é um dom. Ser comum é a regra”. Walter sabia desde o começo que não fora destinado a ser como os garotos de sua idade e as inspiradoras palavras de sua mãe permitiram que um menino nascido no interior de Porto Rico pudesse conquistar uma legião de fiéis. Mas a caminhada até a consolidação como estrela da televisão não foi fácil e a narrativa mostra-se disposta a esclarecer dúvidas acerca, por exemplo, da sexualidade dele. Sem asteriscos, os depoimentos de Walter e de outros entrevistados disponibilizam ao espectador uma série de fatos que possibilitam entender os dramas do protagonista. O registro biográfico é muito hábil e afetivo em revelar que aquele senhor andrógino, tão a frente do seu tempo, não precisava decidir entre ser gay ou hétero para figurar como inspiração para a comunidade LGBTQ+. E quando confrontado ou vítima de deboche respondia com amor e cordialidade.

Embora passe grande parte da narrativa reconhecendo a magnitude de Walter Mercado, e seu nível de influência que cruzou fronteiras, o documentário toca num assunto que sempre foi questionado pelos seguidores: o que aconteceu de verdade que fez com que o astrólogo desaparecesse da televisão quando se encontrava em pleno sucesso? O mistério está ligado diretamente a relação de confiança, quase paternal, que mantinha com o ex-agente Bill Bakula e que se deteriorou devido a atitudes gananciosas deste. Para repassar este episódio doloroso, a direção de Costantini e Tabsch além de ouvir as versões de Mercado, familiares e amigos próximos, oferece o microfone a Bakula para que o ex-agente apresente seu ponto de vista do processo. A decisão, que vai de encontro com a transparência que permeia a jornada do protagonista, permite que o público faça seu julgamento.

E quando falamos do público, ele não poderia ficar de fora dessa história a qual está atrelado intrinsecamente. Os realizadores fazem questão de frisar a importância do Brasil na trajetória do astrólogo, vide a tradução do título que remete ao conhecido bordão. Apesar do carinho, não deixa de ser triste notar que a versão tupiniquim comete uma blasfêmia ao trocar um nome como “Mucho, Mucho Amor” por um simples “Ligue Djá”, que, analisando profundamente, troca o amor por um tom comercial, fruto de controvérsias também debatidas pelo doc. No entanto, isso é pouco perto de uma história repleta de admiração e encantamento. “Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado” é um documento puro e comovente, coberto de passagens que pegam pela garganta (o encontro de Lin-Manuel Miranda com o ídolo e a sequência final representam o clímax perfeito) e que fazem jus ao legado de uma figura magnética e deslumbrante, habilidosa em se comunicar, que encontrou um ponto de convergência entre as religiões para espalhar o amor.

Sobre o homem que deixou de ser estrela para se transformar numa constelação.

Renato Caliman
@renato_caliman

Compartilhe