Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 12 de abril de 2020

#RapaduraRecomenda – Parenthood (2010-2015): lágrimas familiares

Apesar de facilidades narrativas pontuais, a série foge do melodrama barato e entrega inúmeras relações genuínas e carregadas de emoção ao debater sobre papéis familiares.

Entre 2010 e 2015, a NBC produziu seis temporadas de uma série levemente baseada no filme “O Tiro que Não Saiu pela Culatra”, com Steve Martin. Mantendo a premissa de uma grande família que lida com variadas questões entre pais e filhos, Jason Katims criou a série “Parenthood”, disponível no Brasil pela Amazon Prime Video.

O título significa “paternidade”, mas sem se prender a gênero. Com isso, consegue abranger as inúmeras relações entre os membros da família Braverman. Com numerosos e variados conflitos que vão desde os pais Adam e Kristina (Peter Krause e Monica Potter) descobrindo que seu filho mais novo, Max (Max Burkholder), tem síndrome de Asperger, passando por Sarah (Lauren Graham) lidando com o divórcio de um ex-marido (John Corbett) dependente de drogas e com os filhos adolescentes revoltados Amber (Mae Whitman) e Drew (Miles Heizer) e chegando a Crosby (Dax Shepard) descobrindo que tem um filho de cinco anos de idade (Tyree Brown), a série soube tratar de seus temas sem nunca ficar melodramática demais. Ao longo das seis temporadas, não são raros os momentos em que o espectador chora com algum personagem, graças a um ótimo time de atores entregando emoções genuínas.

Alguns arcos narrativos são especialmente memoráveis, como a confusa e perdida Amber, que teve seu mundo revirado de cabeça para baixo e cometeu enormes erros, mas que com a interpretação de Whitman se mostrava uma pessoa humana cheia de camadas feridas, num misto de melancolia e esperança. Crosby também mergulha no papel recém-descoberto de pai, mas sua dedicação vai de encontro com seu estilo de vida e sua adaptação é difícil, mas nunca preguiçosa ou feita de má vontade. A conexão que ele constrói com o filho é sincera e, assim como as outras desta série, de encher o coração.

É notável também o quanto o roteiro sabia evitar clichês para gerar drama em excesso, mesmo com doenças e acidentes acontecendo, a narrativa nunca fica pesada demais e nem brega demais. Pelo contrário, esta foi uma obra que sabia ser ousada ao abordar situações que façam as emoções de seus personagens virem à tona. Claro que houve facilidades narrativas imensas, como o fato de ninguém usar um celular para ter conversas que simples ligações resolveriam, obrigando-os a se encontrarem pessoalmente para que as cenas acontecessem com os envolvidos em pessoa, e mesmo com essa falta de naturalidade nesse tipo de situação, os atores driblavam isso com diálogos bem escritos e sentimentos autênticos.

Outro problema da série é que há alguns conflitos gerados nas últimas temporadas que parecem forçados demais e muito díspar do que foi apresentado dos personagens em episódios anteriores, como as brigas entre o casal Joel (Sam Jaeger) e Julia (Erika Christensen). Sem contar que tramas de imenso peso são simplesmente abandonadas nas transições de temporadas e suas resoluções ficam para a imaginação do público.

Felizmente, são falhas pontuais que não obscurecem a tocante experiência que é acompanhar os membros da família Braverman e é verdadeiramente marcante como a série consegue criar uma conexão entre o público e cada um dos protagonistas, compartilhando momentos de alegrias, tristezas, angústias, alívio e sempre, muito amor. O carinho entre todos, mesmo quando há brigas e desentendimentos, é palpável.

Narrativamente, há vários momentos interessantes, como os que ativam discussões acaloradas entre os personagens. Com os ânimos à flor da pele, todos falam e gritam ao mesmo tempo, gerando o caos que a situação pede, o que tem o ponto negativo de ser impossível entender tudo o que está sendo dito e o positivo de parecer real, como bate-bocas são.

Mas isso é família. É sobre paternidade e seus volumosos aspectos e grandes desafios. É sobre os valorosos momentos em que ajudamos algum familiar e algo dá certo e todos os esforços parecem valer a pena. É sobre os momentos que moldam crianças em adultos, sobre as conversas que tivemos (ou queríamos ter tido) com nossos pais e/ou filhos. Esta série achou sua carga dramática nas interações de familiares que definitivamente se amam, mas encontram diferenças difíceis nos pesos de suas idades e personalidades ao mesmo tempo em que tudo o que querem é que os amados sejam felizes.

É vital dedicar um parágrafo à maneira digna com que a série lida de temas complicados. Mortalidade, adoção, divórcio, autismo… nada é banalizado como um estopim para drama barato. Brilhantes exemplos do que esta obra tem de melhor, com diálogos e atuações cheios de honestidade e intimidade, esses elementos são janelas para as almas humanas ali em conflito, gerando imersão, conexão e emoção.

“Parenthood” é uma drama familiar que foge de simplório maniqueísmo e melodrama brega e consegue enriquecer momentos triviais onde familiares interagem, entendendo que é nas rotinas do lar que as pessoas são mais verdadeiras. Com um episódio final que amarra pontas com um belo laço que abraça o coração de quem acompanhou a série pelas seis temporadas, a série tem momentos especiais que não falham em ativar uma cachoeira de lágrimas no espectador.

Bruno Passos
@passosnerds

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