Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 02 de fevereiro de 2020

The Marvelous Mrs. Maisel (Prime Video, 1ª Temporada): independência no humor

Primeira temporada apresenta sua protagonista com louvor, ilustrando que a independência feminina nunca foi fácil ao mesmo tempo que elucida o quanto ela é vital e corajosa. Brilhando na sua representação da Nova York machista dos anos 50, a série é um primor de comédia e comentário social.

The Marvelous Mrs. Maisel” conta a história de Miriam “Midge” Maisel (Rachel Brosnahan), uma típica esposa da classe alta americana dos anos 50. Ela cuida da casa, da aparência, dos filhos e do marido, Joel (Michael Zegen). Aliás, de todas as suas tarefas, ela é especialmente dedicada a esta última, chegando a esperar que ele pegue no sono para usar cosméticos que realcem sua beleza e acordar antes dele para colocar maquiagem e estar sempre bonita para o cônjuge. Joel tem a comédia stand-up como hobby. Ele adora ir ao clube Gaslight para se apresentar, contando com a ajuda de sua cuidadosa companheira para preparar um delicioso prato de comida para presentear ao gerente do clube e, assim, conseguir os melhores horários. Ela ainda analisa suas apresentações, escrutinando as reações da plateia e tomando nota de como ele pode se sair melhor – aqui a série já mostra como ela tem muito mais talento para este tipo de humor do que ele, que plagia as piadas de comediantes mais famosos.

Midge está contente com seu papel, mas vê seu mundo desmoronar após o marido revelar que está tendo um caso e que vai se mudar. Bêbada, ela vai sozinha ao clube e sobe ao palco, onde dá um verdadeiro show. Hilária, carismática e um bomba de espontaneidade, ela nasceu para o stand-up. Capturando a atenção de Susie (Alex Borstein), funcionária do clube que enxerga o grande potencial da protagonista e quer se tornar sua agente, e a partir daí, a série decola.

A amizade entre as duas, mesmo com hesitações por parte de Susie, floresce e é um deleite de presenciar. Por meio dessa relação, a série consegue não só empoderar personagens femininas num mundo dominado por homens, mas também discorrer sobre as injustiças entre classes sociais. Das comparações entre o enorme apartamento de Midge e o minúsculo de Susie, às preocupações financeiras bem díspares das duas, é um festival de análise da sociedade entregue com um texto sagaz, veloz, ácido e muito, mas muito engraçado. Méritos de Amy Sherman-Palladino, criadora da série que trouxe essas qualidades com as quais trabalha desde “Gilmore Girls” com ainda mais louvor.

Visualmente, a série é brilhante. A imersão na Nova York dos anos 50 é atingida por meio de diversificadas peças do figurino, carros e cigarros, a esses elementos somam-se a trilha sonora e o opressivo machismo que era ainda mais presente no mundo do stand-up. Tudo espelhado nas relações de Midge com Joel e seus pais, de quem precisa esconder o fato de que está perseguindo uma carreira em humor, o que eles considerariam escandaloso.

Seus pais, aliás, são interpretados por Marin Hinkle e Tony Shalhoub, e a tela brilha a cada momento em que eles aparecem. Caminhando num perfeito equilíbrio na linha que separa o sério demais do brega humorístico, eles entregam o tom certo para as críticas às quais a série se propõe sem cair no exagero da excentricidade de seus personagens.

A dinâmica entre Borstein e Brosnahan é o grande trunfo da série. As atrizes encaixaram como uma luva e sabem lidar com a metralhadora de falas de Sherman-Palladino com uma naturalidade que nunca parece gratuitamente rápido. São diálogos genuínos e cheios de peso, seja quando se unem ou quando estão em conflito. Ambas passam por momentos de transformações que prometem grandes cenas nas futuras temporadas.

Nem tudo funciona às mil maravilhas, a relação dolorosa entre Midge e Joel fica num chove-não-molha por bastante tempo sobre se eles vão reatar ou não e, por vezes, fica nítida a enrolação. E como a série tem um cerne translúcido de mostrar que uma figura feminina é independente, fica óbvio onde isso vai dar e por mais que haja cenas com bom uso de flashbacks para dar peso narrativo às interações, ainda é um pouco tedioso.

“The Marvelous Mrs. Maisel” pode ter suas (pequenas) falhas, mas quando acerta, a série brilha. Com uma protagonista afiada e precisa em retratar uma figura disruptiva num esfera hostil, ambientação maravilhosamente imersiva e diálogos carregados de humor e astúcia, merece os inúmeros prêmios que ganhou e se lança como uma das obras de mais relevância do fim da década de 2010.

Bruno Passos
@passosnerds

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