Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Finalmente Livres (2018): divertimento pelo absurdo

A comédia francesa arranca risadas através de situações ridículas e absurdas enquanto os personagens vivem suas jornadas individuais rumo à liberdade.

Talvez seja exagerado que “Finalmente Livres” se venda como “a comédia do ano”, mas é inegável que o diretor Pierre Salvadori conseguiu extrair divertimento do absurdo e do patético mesmo tendo uma história dramática. A comédia francesa explora problemas como corrupção e o falho sistema carcerário discutindo conceitos como justiça e liberdade, porém sem se levar muito a sério.

Flertando com quadrinhos e exploitation em sua estética, o filme abre com a ação descomedida de uma operação policial em uma base de tráfico de drogas. No entanto, tudo se tratava de uma história fantasiosa que a tenente Yvonne (Adèle Haenel) contava ao seu filho para manter viva a memória de seu falecido marido e herói da cidade, Jean Santi (Vincent Elbaz). Ainda em luto, ela descobre que Santi era corrupto e, para piorar, esteve diretamente envolvido em um grande esquema de roubo que incriminou o funcionário modelo de uma joalheria, Antoine (Pio Marmaï). Imersa em culpa, passa a seguir e proteger o recém liberto joalheiro, que se tornou uma pessoa agressiva e confusa após oito anos em cárcere. A tenente se engaja em reparar os erros do esposo o máximo que puder enquanto lida com a mágoa de ter dividido sua vida com alguém que não conhecia completamente.

A loucura de Antoine rende cenas cômicas, mesmo que por vezes desconfortáveis, já que o personagem passa a se achar no direito de cometer crimes devido à injustiça que sofreu, incluindo atos extremamente violentos, como arrancar pedaços das orelhas de outras pessoas com os dentes. A montagem também é uma aliada do humor, sendo o próprio alicerce de algumas piadas, como a risível passagem na qual Yvonne se dá conta da origem suja de suas posses. Entretanto, apesar da atuação de Haenel ser louvável, o sofrimento da personagem excede o equilíbrio da comédia e, com isso, cabe ao elenco de apoio, com o qual o público não tem envolvimento emocional, carregar as passagens e atuações mais engraçadas do filme.

A narrativa debate a liberdade em múltiplos sentidos, pois para cada um existe um significado pessoal. A prisão de Antoine se refere ao próprio encarceramento com a consequente privação de seus direitos e o sentimento de injustiça. O enclausuramento pode também ser um sentimento, como a culpa que a protagonista carrega e seu infindável desejo de reparação. Pode inclusive ser o amor de Agnès (Audrey Tautou), a devota esposa de Antoine, que a aprisionou à antiga identidade do marido, que esperou oito anos para ser solto e agora não é mais a pessoa admirável que um dia fora. A jornada dos personagens caminha para a libertação, cada qual de suas respectivas amarras, e sua conclusão brinca com os significados literais e figurados de prisão e libertação.

Embora tenha resultado em algumas situações engraçadas, o romance entre Yvonne e seu amigo Louis (Damien Bonnard) não convence e é descartável. Por outro lado, Agnès e sua complicada relação com Antoine acrescentam complexidade à trama. O enredo se excede em si mesmo e depende do absurdo das situações para tirar risos do espectador. Não são muitas as piadas que funcionam, mas estas estão bem espalhadas e o saldo é positivo. Ainda que o drama pese um pouco mais que a comédia, no fim da equação o divertimento é entregue.

Tayana Teister
@tayteister

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