Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 13 de março de 2019

One Punch Man (1ª Temporada): viva o shonen [SÉRIE]

Incrível mistura de sátira e homenagem aos animes shonen, "One Punch Man" é uma obra única que empolga e faz rir.

One Punch Man” foi originalmente uma webcomic escrita por One, pseudônimo do autor, que com o sucesso se tornou anime e tem seu mangá publicado no Brasil. A obra conta a história de Saitama, um cara comum que quis se tornar herói e ficou careca de tanto treinar. O resultado desse treinamento foi que ele se tornou poderoso a ponto de derrotar qualquer adversário com apenas um soco – daí o título da série. Acompanhamos aqui suas tentativas de sair do tédio que se tornou sua vida, já que não há desafios a serem enfrentados devido à ausência de adversários a sua altura.

O plot ridículo encaixa muito bem com a proposta da série em satirizar os animes shonen, sempre com personagens poderosos enfrentando vilões mais poderosos em batalhas épicas que são superadas com determinação, power ups e transformações. A sátira começa no próprio visual do protagonista. Enquanto é nítido que há cuidado e investimento no visual dos heróis desse tipo de anime com o intuito de torná-los ícones, com uniformes chamativos e/ou elaborados e cabelos extravagantes e esvoaçantes, Saitama tem uma careca polida e um uniforme breguíssimo.

A sátira continua em todas as tramas apresentadas. Todo clichê de vilão possível aparece na série, com discursos que todo fã de anime já ouviu milhares de vezes. Os power ups, em sua maioria, são dos vilões, inclusive com a ideia de usar frações de seu poder (Toguro, alguém?). Sem contar que cada antagonista é apresentado com backstory, discursos megalomaníacos e misteriosos e ângulos de câmera que não o revelam inteiramente à primeira vista, tudo para levar o espectador a criar expectativa de que uma grande ameaça está sendo introduzido na trama, que uma mega saga está se iniciando, onde o herói terá que se superar e conquistar inúmeros desafios para se tornar mais forte e enfrentar o inimigo como um chefão final de um jogo de videogame. Tudo parte da piada da série, claro. Saitama derrota todos com mais facilidade do que Goku troca de cor de cabelo. O clima de gozação permeia por toda a obra, que logo de cara já diz a que veio quando tem como seu primeiro vilão o Homem-Lagosta, que teve essa metamorfose por… comer muita lagosta.

A primeira temporada tem apenas 12 episódios de mais ou menos vinte minutos cada, tornando-a uma boa opção de uma maratona curta e divertida. Alguns animes vêm utilizando esse formato de temporadas, com resultados geralmente satisfatórios, pois elimina a necessidade de fillers e encheção de linguiça.

O clima de brincadeira continua na série quando ela apresenta Genos, um ciborgue em busca de poder que toma Saitama como mestre, enquanto este nem entende o que esse papel representa. Blasé com tudo, ao tentar passar sabedoria ao pupilo, o protagonista solta verdadeiras pérolas de ironia narrativa, ajudada por uma direção e roteiro sagazes. A sátira aqui funciona até visualmente. É comum em momentos que um personagem decide contar sua história, que os criadores de animes mostrem imagens fixas, como paisagens e objetos enquanto a história é contada em off. Esse elemento também é usado aqui, mas com a fala acelerada, o que não só ilustra como Saitama se sente a respeito, mas dá um ótimo tom humorístico à cena.

Nesse mundo, ser herói é praticamente uma profissão. Há a Associação dos Heróis que cadastra todos os que passarem nas suas provas e os classificam em categorias, sendo a mais baixa a C. Há também a B, a A e a S, que é a dos mais fortes. E é por meio dela que o anime consegue trazer a ideia shonen de “escalada de poder”, já que Saitama é o cúmulo da força e não tem como ficar mais poderoso. Lá conhecemos outros novos personagens de visual excelente e que atiçam a curiosidade do espectador, que quer vê-los em ação, mas pouco deles é desenvolvido na série. Difícil dizer se isso é uma falha, já que o foco tem que ser em Saitama e Genos devido à curta temporada. Os membros da Associação serem relevantes ou apenas expectativas desperdiçadas é uma questão a ser respondida quando chegarmos a um series finale.

A jornada de Saitama não é a de busca de poder, mas a de sair do estado de tédio e buscar algo que o motive. Quando descobre a Associação dos Heróis, ele se empolga pois há ali a possibilidade de desafios, de reconhecimento, de objetivo. E, ao se envolver com outros heróis (sempre carregados dos clichês shonen), ele, aos poucos, aprende uma lição ou outra. Mesmo cômico, “One Punch Man” não deixa de dar um arco a seus personagens.

A série se vale de um ótimo recurso visual para mostrar a indiferença de Saitama com tudo à sua volta. Ele é até desenhado com traços simplíssimos no rosto, o que ilustra sua postura indiferente em relação a tudo. Entretanto, há momentos em que algo acontece e ele leva a situação a sério, aí o traço de seu rosto muda para um complexo e bem feito. O estúdio responsável pela animação é o Madhouse, o mesmo de “Death Note”, e nota-se a qualidade superior que ele costuma trazer a suas obras, sempre dando um banho nos seriados de longa duração que precisam esticar o orçamento. As sequências de lutas são magníficas e empolgantes, com ritmo frenético e sem deixar que a qualidade do desenho caia em nenhum momento. A luta final consegue ser épica ao trazer uma trilha vertiginosa, um vilão com ótimo visual e muita velocidade. Entregar esse nível de adrenalina com um personagem que é, desde o início, imbatível, é um trabalho digno de louvor.

A dublagem brasileira merece destaque. Desde a tradução até as vozes em si, dá para ver que os responsáveis entenderam o espírito da obra e o adaptaram para a língua portuguesa com maestria, trazendo gírias e expressões comuns à nossa língua que rendem momentos que muitos dizem serem mais engraçados do que na versão legendada.

A música de abertura é digna de nota. Com o propício nome “The Hero“, ela é interpretada pelo supergrupo de cantores de animesongs JAM Project, acostumados a entregarem músicas enérgicas de alta qualidade para variadas obras. Liderados por Hironobu Kageyama (cantor de temas de “Changeman”, “Cavaleiros do Zodíaco” e “Dragon Ball Z”), o grupo é especialista em vocais de alta performance e melodias explosivas. A direção do anime inteligentemente traz o tema de abertura com versões orquestradas (ou não) em diversos momentos da temporada, o que funciona muito bem como dose extra de adrenalina para as cenas. O tema da segunda temporada será composto pelo brasileiro Ricardo Cruz, membro esporádico da banda japonesa que já cantou aberturas de vários animes em português. É a primeira vez que um conterrâneo recebe uma incumbência de tamanha importância no universo das animações nipônicas.

Uma obra shonen que satiriza o estilo, ao mesmo tempo que o homenageia, “One Punch Man” arranca fáceis risadas, principalmente de quem conhece a linguagem de animes. Com ótimo equilíbrio entre comédia e ação, personagens carismáticos e um protagonista fora de série, a primeira temporada é um excelente pontapé inicial.

Bruno Passos
@passosnerds

Compartilhe

Saiba mais sobre