Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de janeiro de 2010

Invictus (2009): um longa extremamente inspirador

Clint Eastwood nos apresenta um trecho singular da história recente da África do Sul de maneira vívida e inspiradora.

“Eu sou o mestre do meu destino. Eu sou o comandante da minha alma”. Este é o emblemático trecho final do poema “Invictus”, de Willian Ernest Henley. Ele é o coração pulsante deste belíssimo filme.

Baseado no livro “The Human Factor: Nelson Mandela and the Game That Changer the World”, de John Carlin, Eastwood congrega sabiamente diversos elementos em um filme sobre intolerância, perdão e superação.

A história começa com Mandela sendo nomeado com honras presidente da África do Sul. Sua missão, como todos sabem, era praticamente impossível: tirar o poder daqueles que o tomaram a força, os aceitando como iguais. Para muitos compatriotas era uma tarefa impensável, tanto para brancos como para negros. Mas é com esse espírito visionário que Mandela luta contra as diferenças, e uma das formas é apoiar seu time de rúgbi na Copa do Mundo que seria disputada na própria África do Sul.

Apelidada com o nome Springbok (espécie de antílope da fauna local), a seleção em questão representava todo o passado. Para os jovens e adultos negros do país, ver todos aqueles homens de verde e dourado jogando era como aceitar que o apartheid não havia acabado, pois afinal eles pouco se reconheciam nos jogadores, já que havia apenas um negro integrando a equipe.

O time não ia bem e ganhar a copa era algo distante. Surpreendentemente, a equipe teve um bom resultado e o principal motivo disso foi Mandela, que o fez acontecer usando o apoio do povo. Temos aí um exemplo de como o esporte pode ser usado de maneira política, mas positiva, diferente do Brasil, onde o mesmo sistema é utilizado, mas de forma oposta, desviando a atenção do povo, manipulando o sentimento de nação. Mandela o fez com o coração e os resultados finais foram a prova de que as intenções eram sinceras.

Clint Eastwood é um dos mais influentes cineastas atuais. Mais uma vez todo seu respeito pela história o faz chegar a um resultado no mínimo sensacional. Juntamente com o roteirista Anthony Peckham, o diretor achou a mediada certa para analisar as diversas situações em que a falta de conforto causada pelo racismo era evidente. Situações simples que explanam tudo. Devido a esse caminho, não existem toneladas de discursos edificantes, claramente que, no filme, Mandela por muitas vezes profere suas palavras de sabedoria, todas realmente comoventes, mas em sua maioria a obra age no inconsciente. Eastwood nos leva a sentir que os personagens estão mudando, e estão mudando porque é a melhor coisa a se fazer. Olhares e atitudes são a alma desta história.

Após desfeito o nó que apertava a nação de forma severa, o diretor passeia pelas diversas possibilidades na hora de filmar uma partida de rúgbi. Muito movimento, muito realismo e emoção são utilizados com destreza pelo diretor, tudo acompanhado pela trilha sonora brilhante de seus atuais companheiros inseparáveis de música Kyle Eastwood e Michael Stevens. Utilizando seus costumeiros trompetes, eles fundem o estilo jazzista de seus últimos filmes aos tambores e vozes tribais da África.

A mensagem se solidifica e mostra seus resultados. Apesar de aparentemente sem importância, Mandela sabia que o esporte seria um elo perfeito naquele momento para seu povo, e apresentar isso para o mundo era melhor ainda. O diretor faz questão de mostrar o presidente sempre extremamente ocupado, um homem que se dividia em dez para resolver os problemas sociais e comercias do país. Nem seus seguranças aguentavam o ritmo. Mas sempre havia o tempo para o rúgbi. Um chá com o capitão, uma visita ao treino dos jogadores, uma palavra de incentivo, pequenos gestos para homens carentes de um sentimento de coletividade.

O grande destaque do longa é com certeza Morgan Freeman. Todos sabem que o ator possui diversas qualidades, mas ele é aquele caso que pode ser definido como “um ator que sempre interpreta o mesmo papel”. Mas em “Invictus” ele se mostrou capaz de desaparecer por trás dos olhos de seu personagem, e fez isso com ninguém menos que o líder Mandela.

Matt Damon é a escolha perfeita para o capitão do time Francois Pienaar. Damon consegue buscar todo o sentimento de adaptação que existe neste jogador, pois afinal ele é um dos muitos que serão responsáveis por essa nova África multicolorida. Rodeado por atitudes preconceituosas e derrotistas de seu próprio pai, Piennar se encontra confuso. Sua reflexão são os passos da evolução do filme.

Os coadjuvantes têm espaço de honra. O time de rúgbi é formado por atores competentes, que tem ali uma missão simples, a de serem apaixonados pelo esporte. Já com mais destaque estão os seguranças de Mandela, uma equipe de negros e brancos. Usada como termômetro da união das raças, a equipe é responsável por praticamente todas as cenas de humor do filme, com destaques para Tony Kgoroge como o braço direito número um Jason Tshabalala. Patrick Mofokeng faz o engraçado Linga Moonsamy e Julian Lewis Jones interpreta Etienne Feyder, cabeça dos novos integrantes da equipe de seguranças.

Spike Lee acusou Clint Eastwood de não usar atores negros em seus filmes “A Conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima”. Eastwood respondeu amigavelmente mandando o diretor “calar a boca” e disse que tudo que fez foi reproduzir um evento histórico, e que nas batalhas em questão nenhum soldado negro havia participado. Bem, se o pedido e argumentos de Eastwood não foram o bastante, creio que com “Invictus” ele conseguiu fechar de vez a questão de que seria um Charlton Heston da vida.

O diretor foi muito inteligente por aproveitar um momento capcioso (a África do Sul é novamente o centro das atenções com a Copa do Mundo de futebol) para contar uma belíssima história verdadeira.   E assim como o poema “Invictus” foi uma inspiração para Mandela não perder a sanidade nos seus quase trinta anos de prisão, este filme também pode ser exemplificado assim: inspirador!

Ronaldo D`Arcadia
@

Compartilhe