Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 11 de julho de 2008

Preço da Coragem, O

O diretor Michael Winterbottom mostra com firmeza a história de Mariane Pearl, que lutou para encontrar o marido Daniel Pearl após ser seqüestrado e assassinado em 2002 no Paquistão. Angelina Jolie dá fôlego à personagem e tira a respiração do espectador com sua garra e esperança em encontrar o marido vivo.

Daniel Pearl era um jornalista que, segundo sua esposa Mariane, só falava a verdade. Ele era repórter do jornal The Wall Street Journal e estava no Paquistão cobrindo a história de grupos e ataques terroristas em 2002, mais precisamente em Karachi. Mariane, também jornalista de uma rádio, acompanhava o marido e fazia parte do imenso grupo de profissionais que se arriscaram em terras perigosas para trazer informações ao mundo inteiro. Em uma de suas mais sigilosas entrevistas, com o perigoso Richard Reid, Daniel é raptado e mantido de refém por um grupo de terroristas, que o esquarteja em dez partes após cinco semanas de prisão. A história foi contada pela própria Mariane no livro "Coração Valoroso: A Vida e Morte de Meu Marido Daniel Pearl", no qual a trama do longa foi baseada.

Mariane estava grávida quando o marido sumiu. A vontade de voltar para casa e se livrar do caos no Paquistão era grande, bem como de outros jornalistas que arriscaram a vida em nome do trabalho. Muitos deles também tiveram o mesmo destino de Daniel, porém foi com ele que o caso ganhou grandes proporções. A garra de Mariane em movimentar contatos e desenrolar uma teia gigante de possíveis envolvidos no rapto mostraram a força de uma mulher que, aparentemente, estava sempre centrada em seus objetivos e pouco reagia em relação ao andar do caso. O diretor Winterbottom enxerga a personagem como uma mulher forte, mas que tem a incrível dificuldade em demonstrar seus sentimentos. Ela é pega algumas vezes escondendo o choro ou então apática. A verdade é que ela procurava não se abater e acreditava mais do que ninguém que poderia encontrar seu marido vivo.

Quanto mais Mariane e seus inúmeros ajudantes tentavam localizar Daniel, mais ficava difícil ligar as evidências. A idéia de que a rede terrorista é só uma, mas com grandes ramificações, atrapalhava o desenvolvimento do caso, até que um dia uma pequena falha faz com que toda a história venha à tona. Mariane finalmente precisa encarar a realidade e usar o caso de seu marido como exemplo da violência e impiedade dos terroristas. Ao lado da protagonista, a relação mais interessante desenvolvida é com Asra, uma indiana amiga de Daniel que aprende a dividir a força com Mariane, tornando-se amigas.

O poder feminino de acreditar em algo e lutar por aquilo é o que move a história. Entretanto, em momento algum a fragilidade de Mariane é deixada de lado. A gravidez nunca é esquecida, sendo por ela que Mariane justifica ter escrito sua obra (e o filme), nem a ligação de Mariane e Daniel é perdida, dando para notar cada vez que a protagonista esperava ao telefone uma ligação ou o retorno de uma mensagem de texto escrita pelo marido. Quando os seqüestradores enviam fotos de Daniel preso, Mariane encontra nelas o motivo de continuar procurando por ele.

O diferencial desta história é a subjetividade de Mariane. Sua força concentra-se no seu interior e ela não se rende ao melodrama convencional de arriscar sua pele em buscas perigosas pelos terroristas. E isso não é covardia, muito pelo contrário. Ela confia que sua equipe de investigadores está apta a fazer de tudo para trazer Daniel vivo, para o alívio dos paquistaneses, que viam seu nome sujo com os americanos após o seqüestro. Mariane é inteiramente concentrada naquilo que deseja, sem mesmo conseguir dormir na esperança de que algo sobre Daniel surja, que ele em si surja. Winterbottom acerta a mão no tom da história, beirando o mórbido para transmitir ao público a paciência durante as cinco semanas de espera da protagonista, sua fé e seus lamentos.

Angelina Jolie está em seu melhor papel desde "Garota, Interrompida" (1999), que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Não que os papéis que ela fez desde então tenham sido ruins, já que ela é uma atriz de primeira categoria, mas apenas não tiveram a profundidade como em "O Preço da Coragem". Jolie intensifica cada aparição de Mariane e cria uma relação curiosa com o público. Ao mesmo tempo que torcemos para que ela consiga o objetivo, queremos sugar mais emoções daquele personagem para que a história ganhe mais sentido. É aí que o roteiro de John Orloff acerta mais uma vez. Mariane é jornalista e cobre sobre algo que, mesmo perto dela, há um distanciamento jornalístico. A partir do momento em que ela passa a ser vítima (a esposa grávida de um jornalista raptado), ela se coloca como notícia.

Essa colocação do roteirista é genial, principalmente durante uma entrevista que Mariane concede após receber a fita do momento em que seu marido é esquartejado. O entrevistador a indaga sobre o fato dela não ter assistido ao vídeo, e Mariane indaga se ele não tem vergonha de perguntar algo do tipo em uma situação tão delicada. Neste momento, os conceitos jornalísticos são colocados em pauta, a relação entre repórter e entrevistado dentro e fora da trama são paralelizadas e mais um ponto positivo para o longa é concedido.

O diretor Winterbottom não cria uma estética nova para o longa, muito menos procura revolucionar o cinema com uma história simples. É aí que o cineasta cria seu característica no cinema: não se render ao comercial, mas sem deixar de ser popular. Ele tem muito mais sucesso como diretor de atores, sabendo onde explorar de cada um. Uma cena de Jolie que será impossível de esquecer é quando Mariane tem a confirmação da morte do marido. Ela se esconde no quarto e deixa o espectador aflito com sua angústia.

"O Preço da Coragem" é um drama que fala sobre personalidade, crenças, sensibilidade, jornalismo, entre tantas outras abordagens. É um longa que ataca a constante relação entre terroristas e americanos, mas muito menos julga quem está certo ou errado nesses conflitos mundiais. Apesar do contexto histórico, o longa não deixa de ser uma grande história de amor; e o mais importante ainda: uma história de amor atual e real.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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