Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 10 de janeiro de 2009

Troca, A

"A Troca" é uma vitrine para uma atriz competente e um diretor talentoso abocanharem estatuetas na temporada de prêmios. O drama vivido tão fortemente por Angelina Jolie parece distrair o foco de Clint Eastwood e a vontade de ganhar o Oscar se torna uma frustração para o espectador.

O desespero estampado no rosto de Angelina Jolie possui duas fontes. A primeira, a de uma mãe que perdeu seu filho, corresponde a suas funções como mulher. A segunda, a de uma atriz em busca de seu segundo Oscar, às suas funções de atriz. A confusão de papéis é o que torna “A Troca” inferior aos trabalhos anteriores do diretor Clint Eastwood.

Jolie é Christine Collins, uma mãe solteira que divide suas horas entre o trabalho como telefonista e os cuidados com o filho Walter. Em uma tarde de sábado, quando deixa o menino em casa para fazer hora extra, a mãe esforçada chega em uma casa vazia. As mãos trêmulas e as lágrimas de dor misturadas ao medo são as ferramentas escolhidas pela atriz para interpretar as primeiras ações de Christine.

Cinco meses após o desaparecimento de Walter, a história já é assunto para as páginas dos jornais e, principalmente, para um programa de rádio do reverendo Briegleb, interpretado por John Malkovich. Dedicado a criticar as ações da polícia corrupta de Los Angeles e divulgar as barbaridades provocadas na comunidade, Briegleb duvida que o departamento esteja conduzindo as investigações corretamente.

Não demora muito para que os investigadores apareçam com uma criança. Mas não é Walter. Christine resiste, mas é reprimida pela polícia, que a acusa de estar fugindo de suas responsabilidades como mãe. Os argumentos que a jovem mãe apresenta para pedir que a polícia continue a procurar seu filho se tornam indícios de loucura e Christina é internada no hospício.

Um filme sobre a corrupção desenfreada da polícia de Los Angeles facilmente se transforma em um filme sobre uma mulher que luta por justiça, um tema recorrente em Hollywood e bastante cansativo. O peso de Angelina Jolie é inegável, mas a atração da câmera por seus grandes lábios vermelhos e o olhar lacrimejado por baixo do chapéu da década de 1920 prejudicam o ritmo do longa-metragem.

Ao utilizar uma personagem tão polida como Christine Collins para dar rosto às vítimas do poder corrompido, “A Troca” pretende prender o público e, de fato, consegue. O grito por justiça fica preso na garganta de todos os espectadores. Entretanto, novamente em razão do peso exercido por Jolie, a história perde o rumo. Para colocar a beldade em cena por mais alguns minutos, desnecessários, acompanhamos a resolução de um caso real que nunca foi resolvido.

“A Troca” é um filme de acontecimentos inéditos. É a primeira vez que Jolie se entrega competentemente a um papel maduro. Sua pouca experiência em dramas mais delicados, apesar de cheios de conteúdo, transparece, mas indica o início de uma busca por personagens menos rasas.

É a primeira vez também que Eastwood falha ao abordar um tema complexo. Seus filmes anteriores apresentam a medida correta entre as cenas e os diálogos brutais e a pieguice necessária para envolver o público. “A Troca” exagera na pieguice e praticamente abandona os choques, sejam visuais ou conceituais, e não foi por falta de material. A trilha sonora, exaustivamente repetitiva, torna o filme ainda mais meloso.

Com quase três horas de projeção, “A Troca” provoca a já clássica sensação de que poderia ter trinta minutos a menos. O filme é a reunião de bons profissionais que parecem ter seguido apenas a vontade de carregar o maior número de estatuetas da Academia que for possível. Não é, nem de longe, um filme ruim, mas por expor tão evidentemente os objetivos de Angelina Jolie e Clint Eastwood, decepciona.

Lais Cattassini
@

Compartilhe

Saiba mais sobre