Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 20 de setembro de 2017

O Sequestro (2017): ação descerebrada e suspense vazio

O filme não tem roteiro, mas um projeto de roteiro, que é ruim, como quase todos os demais atributos. Porém, Halle Berry é convincente como a mãe desesperada.

Existe filme sem roteiro? A resposta lógica seria negativa. Ocorre, porém, que “O Sequestro” quer desafiar essa lógica, consistindo em uma produção com vários atributos – na maioria, ruins – e um roteiro praticamente inexistente.

O argumento é bastante simples: uma mãe leva o filho de seis anos ao parque; em um momento de descuido, o garoto some. Após alguns segundos de desespero, ela o vê sendo sequestrado. Sem um telefone para chamar a polícia, ela mesma passa a perseguir os sequestradores. Lamentavelmente, o filme é só isso.

O leitor possivelmente encontrará semelhanças com “Busca Implacável”. A semelhança é que um genitor vai atrás do filho perdido, apenas isso. O filme de 2008 tinha conteúdo, o protagonista segue os sequestradores por pistas, enfrentando uma enorme rede criminosa. No longa de 2017, diversamente, são aproximadamente noventa minutos de mesmice sem conteúdo algum (e sem a visão macro do mundo do crime).

É esse o grande problema de “Kidnap” – a versão brasileira mantém o significado do nome original, todavia, “Perseguição” teria sido muito mais adequado, pois o foco não é o sequestro. O filme tem bastante ação, não se pode negar, mas é uma ação insustentável, sem narrativa, sem camadas e sem substância. A trama não se movimenta, praticamente não há progresso, é uma ação paradoxalmente estática e rocambolesca. Em síntese, é a ação pela ação, portanto, descerebrada.

O projeto de roteiro que está lá serve para começar o filme (argumento) e para encerrá-lo (as falas finais resumem parte do conteúdo que deveria ter sido mostrado). No desfecho, prevalece o suspense, que é vazio, já que totalmente obscuro em seu conteúdo. O script elaborado por Knate Gwaltney é certamente um dos piores já escritos nos últimos anos: por exemplo, vilões incompetentes (o que não é novidade, é verdade) e desperdício da arma de Chekhov.

“Arma de Chekhov” é uma expressão usada para designar um objeto constante no texto, aparentemente insignificante, mas que, em um momento posterior, revela sua importância. Dizia o autor que “não se deve colocar um rifle carregado no palco se ninguém estiver pensando em dispará-lo” (daí a ideia de “arma”, que, na verdade, pode ser qualquer objeto). O ensinamento de Chekhov é que um bom roteiro não deve dar espaço a frivolidades, inserindo objetos sem uso algum. No caso específico do filme aqui analisado, o garoto carrega um gravador, recuperado pela mãe. O gravador tem uma pista relevante? Sem afirmar o que ele efetivamente faz, basta dizer que, sem ele, nada mudaria.

Da mesma forma, o roteiro cria problematizações em seu início que acabam sendo inúteis, já que não são aproveitadas – Karla, a mãe, tem um trabalho difícil como garçonete, enfrentando clientes indecisos ou rudes e uma colega atrasada; o pai do garoto pede a guarda unilateral. São temas que poderiam dar robustez ao texto, contudo, acabam servindo de pretexto para alongar o filme – caso contrário, seriam oitenta minutos de perseguição (praticamente) ininterrupta.

É triste ver uma ganhadora do Oscar envolvida em uma produção tecnicamente tão precária: Halle Berry (“Chamada de Emergência”) é produtora executiva e protagonista do longa. No quesito atuação, não há do que reclamar, pois ela é convincente no desespero e na obstinação. É interessante como a atriz se encolhe no carro em alguns momentos, para parecer mais assustada e frágil, ou por vezes alongando os braços e se afastando do volante.

Os closes no rosto de Berry a favorecem, já que, reitera-se, ela é vai bem no papel (inacreditavelmente, nem tudo é ruim nesse filme). Porém, o diretor Luis Prieto (“Contra o Tempo”) não sabe ir muito além disso, filmando em planos fechados também no painel do carro (para mostrar que ela está acelerando, como se isso tornasse o momento mais emocionante) ou até mesmo na roda do carro (sim, é isso mesmo). A cena do sequestro é um retrato fiel da direção: começa como suspense, filmando a protagonista e mostrando que ela está preocupada; prossegue com ação, que pode se tornar tensa pelo contexto, pela atriz e pela música (a trilha sonora é a básica dos filmes de ação), mas certamente não pelos enquadramentos ou pela montagem, já que ambos são ruins.

Possivelmente o espectador que gosta de ação pura, sem conteúdo, quase como um jogo ruim de videogame, vai gostar de “O Sequestro”. Trata-se de uma obra com bastante ação (descerebrada) e algum suspense (vazio), mas que não acrescenta nada a ninguém e que não tem nada para contar.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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