Cinema com Rapadura

Críticas   quarta-feira, 26 de julho de 2017

Em Ritmo de Fuga (2017): uma empolgante mixtape cinematográfica

Do ponto de vista cinematográfico, trata-se do trabalho mais maduro do diretor e roteirista Edgar Wright, que conduz a produção como uma divertidíssima mixagem de diversos gêneros, ancorados em um filme de ação automobilístico, que, surpreendentemente, funcionam em completa harmonia, entregando um dos melhores filmes do ano.

Edgar Wright é fanático por cinema e música. Desde seus primeiros trabalhos de destaque, com a ótima Trilogia do Cornetto (“Todo Mundo Quase Morto”, “Chumbo Grosso” e “Heróis de Ressaca”) e especialmente no maravilhoso “Scott Pilgrim Contra o Mundo“, o amor do cineasta por essas duas artes se mostra patente. E é neste “Em Ritmo de Fuga” que essas duas paixões se mesclam de maneira mais orgânica.

Escrito e dirigido por Wright, o longa conta as desventuras de Baby (Ansel Elgort, de “A Culpa é das Estrelas“), um jovem motorista de fugas em assaltos a bancos empregado nos “trabalhos” armados pelo estrategista criminoso Doc (Kevin Spacey, de “House of Cards”). Determinado a deixar o mundo do crime e estabelecer uma nova vida com sua encantadora namorada Debora (Lily James, de “Cinderela“), Baby é obrigado por Doc a fazer um último roubo, ao lado do instável e violento Bats (Jamie Foxx, de “Django Livre“) e do casal a la “Bonnie e Clyde” Buddy (Jon Hamm, de “Mad Men“) e Darling (Eisa Gonzales, do seriado “Um Drink no Inferno“).

Em matéria de diálogos, trata-se do roteiro mais enxuto de Wright. Respeitando a regra de ouro da sétima arte do “mostre, não diga”, cada tomada que permeia a projeção avança a história e nos mostra mais sobre os personagens, seja através da atuação física dos atores ou mesmo por elementos de cena, com Wright usando da iconografia do filme (figurino e direção de arte) para mostrar ao público tudo o que precisamos saber sobre as peculiares figuras que vemos no decorrer da fita.

Wright nos convida a revisitar várias vezes o longa para pescar não apenas esses pequenos detalhes visuais, mas também suas sutis jogadas de isca e recompensa narrativas, que amarram os diversos atos do filme. Nenhum plano, por mais curto que seja, é desperdiçado, com tudo o que vemos na tela sendo colocado ali em favor da narrativa.

A montagem combina um ritmo frenético nas cenas de ação, que se mostram ao mesmo tempo furiosas, tensas, compreensíveis e com pouquíssimas intervenções digitais (lição que diversas franquias grandes por aí deviam aprender), com tomadas mais longas e calmas, que mergulham no íntimo dos personagens, sempre no ritmo das musicas que Baby escuta em seus aparelhos de som, com a trilha, em boa parte da produção, sendo exegética – ou seja, escutamos as músicas enquanto tocam dentro da própria narrativa, aumentando a imersão do espectador naquele mundo.

Essa mistura de velocidades e ritmos reflete muito da personalidade de Baby, vivido por Ansel Elgort como um rapaz de duas facetas. Quando em ação, ele mantém se mostra imerso em sua “arte”, se mostrando um inteligente velocista com pensamento rápido e reflexos incríveis, um “piloto” tão audaz quanto o Han Solo referenciado em seu figurino.

No entanto, quando o protagonista se permite relaxar, ao lado de Debora ou de seu padrasto, Joe (o carismático veterano CJ Jones, que diz muito sem proferir uma só palavra durante o filme), vemos um garoto introvertido e até atrapalhado em suas relações pessoais. Essa dualidade é tratada de forma deveras natural por Elgort, lembrando até o trabalho de composição de Christopher Reeve em seus filmes do “Superman”, quando interpretava o valente Homem de Aço e o tímido Clark Kent.

É através dos olhos (e ouvidos) de Baby que mergulhamos neste universo de realismo fantástico, recheado de crimes, carros realizando manobras quase impossíveis, doces romances e até terror, momento em que a fotografia do sempre incrível Bill Pope brilha com toques de Dario Argento. Edgar Wright entrega com este “Em Ritmo de Fuga” uma mixtape que mistura de maneira empolgante diversos gêneros musicais e cinematográficos. Recomendado!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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