Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A Oeste do Fim do Mundo (2013): ambiente como elemento simbólico é o grande trunfo

Coprodução Brasil e Argentina aposta em paisagens desoladoras para falar sobre solidão e desejos humanos.

Há filmes em que a ambientação Oestese torna um personagem tão importante quanto as pessoas que vemos na tela. Nesses casos, o local em que se passa a trama fala sobre os personagens tanto quanto o que os atores imprimem em suas interpretações, o que o figurinista define como vestimentas ou o que a montagem determina como recorte para o olhar do espectador. No caso de “A Oeste do Fim do Mundo”, a região andina surge como lugar e como estado de espírito, com suas cores terrosas, imensidão e silêncios.

Na trama, vemos Leon (interpretado por César Troncoso, dos ótimos “O Banheiro do Papa” e “XXY”), dono de um posto de gasolina isolado. Ele vive praticamente sem interagir com outras pessoas, exceto pelo contato pontual com o amigo brasileiro Silas (Nelson Diniz) e com o filho, em curtas conversas por telefone. A rotina é quebrada com a chegada de Ana (Fernanda Moro), brasileira que tenta ir para Santiago do Chile, mas nunca consegue uma carona. A partir daí, a relação entre Leon e Ana se desenvolve, gerando mudanças inesperadas para ambos.

Mais que se embriagar com imagens que destacam a beleza e desolação do lugar, é interessante perceber no filme como as estratégias da montagem sugerem algo sobre as pessoas que o espectador acompanha na trama. Quando foca em Leon, a duração dos takes é mais lenta, mais solene, e há uma profusão de planos abertos que o colocam como insignificante naquele ambiente. Não por acaso, é exatamente assim que o personagem, veterano da Guerra das Malvinas, vê-se por boa parte do filme. Como ele mesmo diz, o conflito, no qual a Argentina perdeu o citado território para o Reino Unido, foi visto como uma grande humilhação e o fez sentir que lhe haviam tirado o direito de se sentir humano, justificando seu desejo de isolamento, tanto em busca de paz como por vergonha.

Já quando foca na inquieta Ana, a montagem é mais ágil, quase apressada, e tanto ela como a direção e a atuação por vezes desajeitada de Moro ganham um aspecto mais didático. Desde o momento em que ela surge na tela perdendo o ônibus para Santiago, as cenas parecem querer explicar sempre o que acontece, quem é aquela mulher e por que ela vai embora do Brasil. Tal quebra poderia muito bem causar incômodo ao espectador, mas o choque resulta interessante para mostrar a diferença entre ela e Leon. A moça pergunta mil coisas dele, incomoda-o com as tentativas de comunicação que o humanizaria novamente, mas, como podemos perceber mais à frente, há questões cercando Ana que a coloca no mesmo patamar de Leon: o da necessidade desesperada de não mais se calar sobre o passado.

Outro elemento simbólico em “A Oeste do Fim do Mundo” é a relação dos personagens com a comida. Esta surge branca e sem apelo no prato que Ana consome no restaurante logo que aparece no filme, e mais sem graça ainda durante o almoço de Leon no posto. Observar aquelas refeições é perceber que falta a elas tempero, cor, um algo a ser de fato saboreado, tal como a vida de Leon e Ana. Não por acaso, o relacionamento entre eles se estreita nos momentos de refeição, ato que pressupõe não só a necessidade básica de comer, mas também da necessidade básica de conversar. A carne surge na tela e ouvimos o chiado de seu calor, para logo depois Leon abrir-se, finalmente, sobre a guerra, a ex-mulher e o filho. Com os laços fortalecidos aos poucos, a comida também ganha uma nova configuração.

As inteligentes sacadas do longa com certeza tiram a produção do campo do medíocre. Ainda assim, falta algo para colocá-lo no mesmo patamar de um “Abril Despedaçado”, para só citar um filme brasileiro que gira em torno da solidão e dos desejos humanos. Talvez um melhor nivelamento entre a excelente atuação de Troncoso e a não tão boa interpretação de Moro pudesse ser uma saída, ou quem sabe um encaixe melhor no desfecho de Ana, Leon e Silas, mas, no geral, a viagem proporcionada pelo diretor Paulo Nascimento vale o preço da passagem (ou melhor, do ingresso do cinema!).

Susy Freitas
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