Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 08 de janeiro de 2012

Cavalo de Guerra: Spielberg emociona em épico sobre a Primeira Guerra

Colocando o coração nas lentes de sua câmera, o diretor ignora a preferência das audiências modernas por tramas ambíguas do ponto de vista moral e nos entrega um longa mais simples e sincero, mas visualmente belíssimo.

Steven Spielberg é um homem sentimental. Seus filmes às vezes beiraram a pieguice e, em um mundo marcado por cinismo, isso pode ser considerado um defeito para muitos. Mas, ao nos mostrar um conto de coragem e amizade que, mesmo se passando no mundo “real”, apresenta-se mais como uma parábola do que como qualquer outra coisa, ser piegas pode ser uma coisa boa. Em “Cavalo de Guerra”, ele se utiliza dos olhos do animal do título para nos mostrar as virtudes de uma vida simples e os horrores de uma das mais sujas das guerras, sempre com o lado emocional em evidência.

Baseado no livro infantil de Michael Mopurgo, adaptado pelos ingleses Lee Hall (“Billy Elliot”) e Richard Curtis (“A Garota do Café”), a trama do filme segue as jornadas de Joey, cavalo dos humildes Narracotts que forja uma incrível amizade com Albert (Jeremy Irvine), filho do seu dono, Ted (Peter Mullan), e responsável por treiná-lo. Juntos, eles tentarão salvar a fazenda das mãos do ganancioso Lyons (David Twellis), arrendatário das terras onde a família vive. Quando estoura a Primeira Guerra Mundial, Albert e Joey são separados, com o cavalo sendo vendido para o exército inglês e começando sua estadia nos campos de batalha europeus.

Na parte inicial da projeção, Spielberg faz uma ode a um estilo de vida mais simples, com o tom da trama se tornando cada vez mais sombrio à medida que a guerra avança e o “romantismo” do combate clássico dá lugar às impiedosas máquinas de guerra, que destroçam tudo o que vêem pela frente. Joey leva o público consigo em diversos momentos do conflito, nos mostrando o sofrimento de soldados e civis. O impacto da brutalidade dos confrontos se torna maior graças ao contraste com o clima rural idílico proposto inicialmente, ilustrando muito bem outra grande luta da Primeira Guerra: o natural contra o maquinário.

O elenco reunido pelo cineasta, primariamente britânico, se apresenta de maneira bastante competente, com breves ressalvas ao próprio protagonista humano. A performance de Jeremy Irvine, em sua estreia em longas-metragens, não é exatamente ruim e o ator convence ao compor a amizade de Albert e seu amigo equino e sua luta para transpor adversidades quase intransponíveis. No entanto, Albert quase não possui nuances a serem exploradas e dá pouco espaço para que Irvine manobre, tornando-o um tanto quanto unidimensional. Nesse sentido, os talentosos Tom Hiddleston e David Kross, que vivem respectivamente um capitão inglês e um recruta alemão, acabam por chamar mais a atenção do público, mesmo tendo muito menos tempo de tela.Destaco ainda a bela participação do ótimo ator francês Niels Arestrup, como um camponês que tenta ajudar sua netinha a suportar esse período difícil.

Mas os grandes nomes do elenco são mesmo os cavalos que “vivem” Joey durante a película. Mostrando grande capacidade de expressão, não só através grandes olhos, mas por todo o corpo, os animais demonstram emoções de um modo surpreendente, tornando fácil a conexão com o público. Ora, até mesmo o relacionamento de Joey com um cavalo “rival” é retratado com maestria graças ao talento dos intérpretes equinos.

Apesar de sangue jamais ser mostrado na tela, não há como negar que “Cavalo de Guerra” é um filme violento. Adepto da máxima “menos é mais”, o diretor jamais depende da violência gráfica para ilustrar os horrores pelos quais os personagens passam, deixando-os sempre implícitos e utilizando inteligentes saídas para evitar mostrá-los diretamente para o público.

Visualmente falando, trata-se de um dos trabalhos mais bonitos de Spielberg. Muito graças ao design de produção belíssimo (e históricamente acurado) de Rick Carter, mas mais ainda devido à genialidade de sempre do veterano cinematógrafo Janusz Kaminski. Ele e Spielberg buscaram inspiração nos antigos épicos da velha Hollywood, como “…E o Vento Levou” e nos westerns de John Ford, resultando em uma verdadeira carta de amor ao cinema.

Os travellings e planos abertos do filme, cheio de cores vivas e vibrantes, são tão impressionantes quanto seus planos fechados, sombrios e quase claustrofóbicos, mostrando o alcance do talento de Kaminski. Claro que também não atrapalha em nada tais cenas serem embaladas pela magistral trilha do maestro John Williams, que se mostra completamente à vontade aqui.

Meu conselho para quem for se aventurar por “Cavalo de Guerra” é que embarque com corações, olhos e ouvidos abertos para este sincero e inocente épico da sétima arte. A recompensa vale a pena.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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