Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 26 de dezembro de 2009

Sempre ao Seu Lado

Tocante e sentimental, "Sempre ao Seu Lado" é simples na medida certa, contando uma história de lealdade com personagens corriqueiros, sendo feito na medida para emocionar até o mais austero dos machões.

Algumas vezes não é necessário muito para se ter um bom filme. Personagens do cotidiano em situações que primam pelo comum, com uma leve pitadinha do extraordinário, por vezes bastam para encantar e emocionar uma plateia. É o caso de “Sempre ao Seu Lado”, que se não irá revolucionar o modo como vemos a sétima arte, causa mais impacto junto ao público que muitos blockbusters por aí.

Quebrando um certo paradigma de que remakes não fazem bons filmes, este longa é a refilmagem de uma película japonesa de 1987 intitulada “Hachiko Monogatari”, a qual, confesso, não assisti e que foi baseada em uma história real, que ocorrera no Japão da década de 1920.  Já a história desta versão ocidental se passa nos Estados unidos durante os anos 1990. Certo dia, em uma estação de trem, uma gaiolinha que continha um filhote da raça de cães japonesa akita acaba caindo e libertando o seu habitante, que é encontrado (ou encontra) pelo professor de música Parker (Richard Gere).

Após tentar em vão descobrir a quem pertencia o cão, Parker fica com o animal, a despeito dos protestos iniciais de sua esposa, Cate (Joan Allen). Parker vai entendendo mais sobre a natureza sui generis dos akita e sua linhagem nobre graças a seu amigo Ken (Cary-Hiroyuki Tagawa) e descobre que, na coleira do filhote, havia o kanji para Hachi (“oito”, em japonês), sendo este o nome do novo companheiro do professor.

Conforme o tempo vai passando e Hachi vai crescendo, ele passa a acompanhar Parker, por vontade própria, rumo à estação de trem, voltando para casa após a partida do seu companheiro e estando na porta da estação novamente quando o trem de volta deste chega. A família de Parker passa a ter o cãozinho como um membro da família, que vê a filha de seu dono se casar e constituir seu próprio lar. No entanto, um trágico incidente mudará o rumo da existência de Hachi, que mostrará a todos o valor da amizade e da verdadeira lealdade.

Em sua primeira metade, a fita diverte pela interação entre Hachi e Parker, jamais apelando para o humor barato ou situações mais extravagantes, sempre mantendo tudo bem simples e corriqueiro, justamente para fisgar o espectador. Já o foco da segunda parte da produção passa a ser na emoção, com Hachi roubando a cena de seus companheiros de tela humanos. Aliás, se não fosse a habilidade dos cães que vivem o protagonista canino do filme, este não seria tão bem sucedido.

Richard Gere se sai muito bem como Parker, se utilizando de seu carisma natural e charme do clássico “bom-moço” para fazer sua ligação com a audiência. Joan Allen é outro destaque do elenco, tendo uma ótima química com Gere e até mesmo com Hachi, se entendendo muito bem com o animal em duas cenas absolutamente tocantes. Outros nomes mais conhecidos do elenco são Jason Alexander, o eterno George da série de TV “Seinfeld” como o bilheteiro da estação de trem onde Parker e Hachi se encontram, e Cary-Hiroyuki Tagawa, interpretando o amigo nipônico de Parker, Ken.

O grande trunfo do filme é a facilidade com que o público consegue se identificar com os personagens lá mostrados. O roteiro desta adaptação foi escrito por Stephen P. Lindsey e foca no cotidiano, no comum, na própria vida e na convivência entre Parker e Hachi, bem como com a família do professor e seus amigos, que ganham maior destaque a partir da segunda metade do filme. Com isso em mente, o diretor sueco Lasse Hallström aposta em uma narrativa mais clássica e em um visual familiar, quase uma versão mais urbana e contemporânea de um quadro de Norman Rockwell.

O cineasta só derrapa um pouco no uso de planos subjetivos em alguns momentos para nos mostrar as coisas do ponto de vista de Hachi e nas sequências de passagens de tempo tremendamente artificiais, se utilizando das estações do ano. Embora não sejam falhas muito comprometedoras, geram um ruído desnecessário para a fita, simplesmente não casando com a estética adotada pelo longa ou com a própria narrativa que está sendo contada.

Um ponto positivo a ser mencionado é a trilha sonora, composta por Jan A.P. Kaczmarek, que aposta mais em sons de piano, instrumento tocado por Parker, algo que acaba ajudando o espectador a adentrar no mundo do personagem e de Hachi, sendo um componente emocional de incrível valia na já citada segunda parte do filme.

“Sempre ao Seu Lado” mostra que investir em histórias cotidianas não é algo que pode ser esquecido pelo cinema. Em tempos de grandes produções que retratam outros planetas ou épocas passadas e futuras, é muito bom ser surpreendido por um simples conto de amizade e lealdade como este. Um belo filme, sem dúvida.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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