O diretor de animações da Disney–Pixar, John Lasseter, deixará seu cargo ao final deste ano, após denúncias de abuso sexual e má conduta feitas contra ele em 2017. Aparentemente, no entanto, ele não era o único problema do estúdio em relação a estes tópicos. Em uma carta intitulada “Como o machismo aberto da Pixar arruinou o emprego dos meus sonhos“, publicada pela revista Variety nesta quarta-feira (27), a designer gráfica Cassandra Smolcic, funcionária da empresa entre 2009 e 2014, denunciou as práticas de abuso e assédio perpetradas pelos funcionários masculinos em todos os setores, evidenciando que este não era um problema apenas de Lasseter, mas sim uma questão estrutural do estúdio:

“Sei que as pessoas estão falando que o clima lá ‘Não era tão ruim’. Estou aqui para falar que era sim, e que muito provavelmente, ainda é. Na Pixar, minha feminilidade era um impedimento inegável ao meu valor, mobilidade profissional e sensação de segurança pessoal dentro da empresa. O estresse por trabalhar em meio a uma atmosfera tão profundamente machista cobrou seu preço, e foi um grande fator a me forçar para fora da indústria.” 

Ela complementa afirmando que logo que foi contratada pela companhia como estagiária, recebeu “uma enchente de avisos sobre a tendência de Lasseter de passar dos limites com empregadas mulheres“. Smolcic diz ainda que o diretor de animação não era o único, e que ela foi avisada também a “se manter longe de um gerente particularmente chauvinista” em seu departamento:

“Assim como John, os alvos femininos deste homem vinham alertando sobre seu comportamento vulgar e antiprofissional havia anos, mas seu cargo e comportamento permaneciam os mesmos. […] Ao longo dos cinco anos seguintes, passei por muitas situações indesejadas e interações nas quais era objetificada por ele, Lasseter e outros homens; fui fisicamente apalpada por outro colega de trabalho; e fui deixada de lado em projetos importantes por conta do sistema de escalação extra-oficial do ‘clube dos meninos'”.

Em uma passagem de sua carta, Smolcic fala sobre como foi avisada que não poderia mais participar das reuniões semanais do departamento de arte para “Carros 2” porque Lasseter “tinha dificuldades em se controlar” perto de jovens mulheres. Ela escreve que ficou “inconsolável” por ter sua trajetória de carreira afetada por ser mulher e Lasseter não conseguir se comportar perto dela. “Estava claro que a instituição estava trabalhando para protegê-lo em detrimento de mulheres como eu“, escreve:

“O machismo aberto de Lasseter dava o tom das relações desde os cargos mais altos, incentivando outros a se comportarem como meninos imaturos em qualquer área do campus. Nunca me esquecerei do dia em que um diretor fez uma comparação extremamente vulgar com seu filme mais recente, em uma piada que foi recebida com exclamações de desaprovação.”

Smolcic deixou a Pixar após ficar “física e mentalmente esgotada após anos de ser jogada contra o teto de vidro“. Para ela, a decisão de substituir Lasseter por Jennifer Lee na Disney Animations e Pete Docter na Pixar “dá esperança para mudanças e progressos significativos, mesmo que viéses profundos ainda sejam parte do estúdio“:

“A Disney e a Pixar precisam reconhecer que mulheres e minorias subrepresentadas são tão capazes, talentosas, complexas e profundas quanto o clube de homens brancos que monopolizaram a animação até agora. Narrativas femininas são dignas de roteiristas de ponta, e mulheres merecem ser tratadas como iguais e respeitadas em qualquer comunidade criativa.”

A íntegra da carta de Cassandra Smolcic está disponível online no site da revista Variety. Até o momento, a Disney-Pixar não comentou sobre as declarações de Smolcic.

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