Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 25 de abril de 2009

The Spirit – O Filme

Como fã de quadrinhos que sou, eu realmente queria gostar deste "The Spirit - O Filme", versão cinematográfica da criação pulp do maior quadrinista de todos os tempos, Will Eisner. No entanto, comecei a ficar preocupado com o longa assim que soube que este seria escrito e dirigido por Frank Miller, talvez o mais óbvio dos discípulos de Eisner. Tal preocupação mostrou-se bastante fundada.

O público em geral e os produtores de "The Spirit – O Filme" poderiam até achar que Frank Miller seria o homem perfeito para levar o icônico personagem de Will Eisner às telas. Afinal, ele foi um aluno do mestre quadrinista e tanto "300" quanto "Sin City – A Cidade do Pecado", fitas baseadas em trabalhos dele na nona arte, foram muito bem de público e crítica, com Miller até co-dirigindo esse último. No entanto, todo fã de quadrinhos sabe que o Miller escritor/desenhista de hoje não é mais aquele de antigamente, tendendo horrivelmente para a auto-paródia. E foi isto que matou este projeto.

Alterando drasticamente vários elementos da obra de Eisner, o filme até que começa bem, com uma boa apresentação do personagem, vivido por Gabriel Match, em seu lar/esconderijo e do visual do filme. No entanto, logo em seguida, descobrimos que de vigilante sem poderes, o personagem virou um ser semi-imortal! Com menos de dez minutos, o mocinho e seu arquiinimigo, o Octopus (Samuel L. Jackson), estão envolvidos em uma briga que mais parece um embate entre o Pernalonga e o Eufrazino dos "Looney Tunes".

A trama, beirando o absurdo, gira em torno de dois baús que continham os maiores tesouros dos Argonautas (sim, mitologia grega), o sangue do semideus Heracles e o Velo de Ouro. O primeiro é ambicionado por Octopus para que ele se torne um deus (ou algo assim), enquanto o outro é a obsessão da ladra internacional Sand Saref (Eva Mendes), ex-namorada de juventude do Spirit quando este ainda era conhecido como Denny Colt, antes de ser dado como morto em sua vida como policial.

A partir desse ponto, temos diversas discussões inúteis entre o herói e seu "chefe", o comissário de polícia Dolan (Dan Lauria), cenas engraçadinhas entre o Octopus e seus capangas clonados (todos vividos por Louis Lombardi) e o Spirit tendo momentos sedutores com toda e qualquer mulher que aparece em cena. Aliás, essa é uma das grandes virtudes do filme, o verdadeiro desfile de beldades na tela.

Além da já citada Eva Mendes, temos Scarlett Johansson como a proverbial assistente do vilão, Silken Floss, Stana Katic como a policial novata Morgenstern, Paz Vega como a insana assassina Plaster de Paris, Jaime King como Lorelei, o anjo da morte (!), e Sarah Paulson como a Dra. Ellen Dolan, o "verdadeiro amor" do mocinho.

Com exceção de Sand Saref, nenhuma dessas personagens femininas ganha o menor desenvolvimento em cena, servindo apenas para que Spirit – e a audiência masculina – babem por elas cada vez que aparecem com roupas seriamente fetichistas. Por melhor que qualquer atriz seja, seria impossível tirar leite de pedra nesse caso. Não é por acaso que a personagem de Mendes é a que nos inspira mais simpatia, mesmo com sua moral mais do que duvidosa, já que ela é a única que chegamos a conhecer realmente.

O carismático Gabriel Match até que convence como Spirit, com seu jeito de mulherengo gente-boa que cativando o público, mas o texto realmente não ajuda. Já Samuel L. Jackson se entrega totalmente ao exagero, colocando esse Octopus, que nos quadrinhos é um vilão ameaçador e misterioso, como uma mistura de inimigo do James Bond clássico com um personagem de desenhos animados. Por sua vez, o veterano Dan Lauria, o eterno pai do Kevin de "Anos Incríveis", passa quase que batido em cena.

Miller explora todo o seu egocentrismo no roteiro. Claro, existem algumas referências a outros quadrinistas como Jack Kirby e ao próprio Eisner (procure pela Avenida Dropsie no filme), mas ter de encarar uma explicação inútil quanto ao complexo de Electra (Elektra?) ou uma citação inútil à "Sin City" é dose. Não se contentando em projetar suas obras e criações no filme, Miller ignora totalmente o aspecto noir leve e semi-realista empregado por Eisner nas histórias do herói mascarado e transforma o protagonista e seu inimigo em meras caricaturas animadas, matando a atmosfera sombria completamente. Afinal, como se preocupar com a luta entre dois personagens imortais?

Dentre alguns dos poucos acertos de Miller encontra-se a devoção de Spirit por sua cidade, Central City, especialmente na efetiva cena na qual o herói usa elementos urbanos como armas e a sequência na qual o mocinho está amarrado e ameaçado por uma bela mulher. Mas o excesso de solilóquios transforma a fita, por vezes, em um quase monólogo – e não dos muito bons, devo dizer. O que ainda ajuda a salvar a trama do mais completo desastre é a belíssima fotografia de Bill Pope.

Tendo alguma experiência com franquias vindas dos quadrinhos (vide a trilogia "Homem-Aranha"), o cinematógrafo trabalha muito bem com os ambientes totalmente virtuais do filme, se empenhando ao lado de Miller para dar a cada sequência a cara de uma graphic novel projetada na tela. Apesar de tudo, o diretor ainda possui um senso estético apurado e, com um visual desses e um elenco feminino como o que fora escalado, pode se dizer tudo da película, menos que ela não é bonita de se ver.

O cineasta novato cometeu aquele que considero o maior erro em qualquer adaptação cinematográfica, que é esquecer de traduzir aquilo que está sendo levado para as telas e tentar se apropriar da obra, dando mais vazão ao próprio ego do que ao material. O resultado transformou "The Spirit – O Filme" em um espetáculo machista e misógino belissimamente fotografado, que vale apenas pelo visual e por suas mulheres.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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