Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 18 de abril de 2009

Divã

A vida continua. Independente do que ganhamos ou perdemos, a vida simplesmente continua. Essa é a principal mensagem de "Divã", dramédia nacional que conta com o talento e carisma de Lilia Cabral, levando facilmente o público do riso constante à emoção. Descontraído e sensível, o longa é imperdível!

O livro "Divã", de Martha Medeiros, serviu de base para a peça teatral homônima que Lilia Cabral atuou durante três anos. Com o sucesso de crítica e público, logo foi pensada na possibilidade de levar a peça aos cinemas. Na história de Mercedes é quase impossível não se identificar com um momento vivido por ela ou diálogo durante a exibição. Mercedes fala de perdas, amor eterno, amor passageiro, quase brinca com os conceitos culturais de "juventude" e mostra que as complicações de uma relação a dois. Aos 40 anos, a personagem tem uma vida comum com o marido, que muitas vezes não a escuta por causa do futebol; tem dois filhos que estão no auge da adolescência, com seus cabelos loucos e vontade de consumir o mundo; e uma amiga bem casada. ou que acha ser bem casada, que possui uma visão mais conservadora das relações. Sem saber muito o por quê, Mercedes procura um analista. Nas primeiras reuniões, ela não sabe o que precisa dizer ao Dr. Lopes, tendo que descobrir o que incomoda em sua vida à medida que as consultas acontecem.

O roteiro de Marcelo Saback se apropria da ideia do livro e da peça teatral para montar a narrativa cinematográfica. Este intercâmbio de linguagens é maravilhoso por nos oferecer diferentes visões de uma mesma história. Certamente, a Mercedes do teatro é muito mais explosiva pela necessidade de chamar atenção do público inteiro, porém no cinema ela se encontra mais recatada, já que é diretamente observada pela câmera. Neste sentido, Lilia Cabral se adequou perfeitamente à linguagem audiovisual, trazendo sua bagagem como atriz incrível e renomada que possui. É por Cabral que o filme obtém todo o êxito, não somente por a atriz já conhecer o personagem e a história, mas por realizar, seja em novela ou no cinema, papéis brilhantes. Cabral arranca gargalhadas do público desde os primeiros minutos de exibição, e elas só aumentam. Em contrapartida, a atriz emociona e leva ao choro com ações simples, sempre segura na pele de Mercedes.

Com uma história basicamente que mostra os problemas e desventuras de uma mulher com um casamento sem atrativos, percebemos o elo que as problemáticas vividas por Mercedes tem com qualquer faixa etária que assista ao filme. Passamos a vida toda procurando um grande amor, com seus inúmeros pré-requisitos, para que a felicidade seja alcançada. Seja um adolescente aos 16 anos ou um experiente aos 50, o amor está sempre permeando relações. O que acontece com Mercedes é quando a rotina faz com que a paixão acabe. O amor não acabou, mas a paixão não existe, a pessoa por quem ela se apaixonou não está mais ali. É tanto que quando ela percebe que pode estar sendo traída, ela tem uma visão conformista, justamente porque pode se beneficiar com aquele escape do marido. A protagonista pode ter também um novo incentivo em sua vida.

Com a separação, Mercedes entra na fase da espera por alguém. Ela mantém o caso com o galã Theo (Reynaldo Gianecchini), mas, apesar de ter sido seu primeiro contato com a possibilidade de ser desejada por outro homem e por ter se encantado pelo jovem, ela percebe que não dá certo. Aliás, é com Theo que acontece uma das cenas mais cômicas do filme, envolvendo um cigarro. Depois, Murilo (Cauã Reymond) a leva para uma balada, onde percebe-se perfeitamente como distoa os tempos e anseios de Mercedes com o que é chamado de "juventude" atualmente. E isso não é uma crítica aos conservadores, até porque Mercedes não é uma boa conservadora, mas neste momento sentimos o deboche da personagem ao que é chamado de novo ou moderno. Também é em uma balada que acontece outro riso incontrolável provocado por Mercedes e Mônica (Alexandra Richter) na pista de dança.

Situações simples não faltam, mas o que engrandece a trama é a forma como a personagem se impõe ao que é realidade, sem hipocrisia ou condicionamento ao que seja correto ou errado. Mercedes é uma mulher livre e ela pensa na vida como um constante processo de mudanças, em que devemos consumi-la da forma que for adequada. As conversas de Mercedes com o analista são riquíssimas, porque ali é o momento que ela tem de dizer o que incomoda e de crescer com suas angústias. A relação que ela cria com Dr. Lopes, por mais que ele não apareça ou fale durante o longa, cria empatia de imediato. Outra relação que vale a pena ser ressaltada é a de Mercedes com Mônica, sua amiga de sempre e para sempre, melhor contraponto, porém melhores momentos, conselhos e companhia. Richter faz de Mônica um segundo analista, porém que pode palpitar de forma mais íntima na vida da amiga.

No elenco também estão outros grandes nomes da dramaturgia brasileira. José Mayer, como o marido de Mercedes, faz o básico para o personagem, porém tem grande importância após a separação: mostrar que as coisas podem ficar bem. Os personagens de Gianecchini e Reymond se restringem aos garotões que querem curtir, por mais que encarem a vida de forma diferente. Eduardo Lago tem pouco tempo em cena como o marido de Mônica, o que é uma pena, por ele ser um ator sempre correto. O destaque fica mesmo com Paulo Gustavo, que interpreta o cabeleireiro René de forma estereotipada, porém cômica e que rouba a atenção até da protagonista do longa. Elias Gleiser faz uma participação especial simpática, sempre ressaltando a qualidade de seus trabalhos. Nas mãos do cineasta José Alvarenga Jr., que dirigiu o ótimo "Os Normais – O Filme", a história e o elenco dão vida a um filme carismático e que proporciona ao público uma identificação rápida.

"Divã" é Lilia Cabral e Mercedes, uma dupla que mostra como a vida pode dar rasteiras e, ao mesmo tempo, mostra que nem tudo é para ser chorado ou lamentado, e sim encarado como mais uma fase. Não importa quantos amores nós perdemos, por mais que o tempo não ajude muito, logo estaremos vivendo mais uma aventura. O ser humano quer tudo para si e, assim como foi visto em "Por Amor", não aceita perder, sem saber que as perdas são grandes indicativos de mudança e amadurecimento. Não importa idade, raça ou situação social, todos estão na constante busca da felicidade, cada um fazendo isso da forma que acha correta e dentro dos seus limites.

"Divã" pode ser o primeiro passo para quem passa por uma frustração amorosa e não consegue se livrar dela, mas em momento algum é um filme de auto-ajuda. É um filme de relato, de história rica de vida, que deve ser apreciado de forma leve e descontraída. Um ótimo exemplo de que o cinema nacional consegue produzir bons filmes e, em especial, ótimas comédias, e falar de relacionamentos com propriedade, contornando os clichês. Ao lado de "Amores Possíveis", de Sandra Werneck, "Divã" fala sobre amor e desamor, sendo imperdível a qualquer apaixonado. Só não tenha medo de ouvir algumas verdades!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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