Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 03 de janeiro de 2009

Se Eu Fosse Você 2

"Se Eu Fosse Você 2" está muito longe de ser o pior longa da Globo Filmes, mas demonstra que nem mesmo com uma história com potencial cômico e um bom elenco está a salvo de se transformar em um filme fraco nas mãos de Daniel Filho.

Na minha crítica ao longa "A Guerra dos Rocha" deixei bem colocado minha antipatia para com as fitas de comédia da Globo Filmes que, quase que invariavelmente, não passam de especiais de fim-de-ano da Rede Globo exibidos em película e um pouco mais esticados. Isso se aplica também ao "Se Eu Fosse Você" original e parcialmente à sua continuação, este "Se Eu Fosse Você 2", fita bastante superior à sua predecessora – não que isso fosse muito difícil, obviamente.

Assim como o primeiro filme, a direção está nas mãos de Daniel Filho, cujo método de trabalho lembra mais uma linha de montagem do que uma obra artística. Tal fato se encaixa perfeitamente na filosofia "mais do mesmo" no que tange aos longas "engraçados" da produtora global. Contando com a conivência do grande público, as películas de lá sempre apostam em piadas praticamente prontas, sem muita originalidade ou risco, sempre com situações requentadas, vistas anteriormente em novelas ou outros filmes. No entanto, "Se Eu Fosse Você 2" contou com uma bela vantagem nesse quesito, a roteirista Adriana Falcão que, pelo seu currículo (que inclui o magnífico "A Máquina"), preza pelo novo.

O longa mostra o casal Cláudio (Tony Ramos) e Helena (Glória Pires) alguns anos após os eventos do primeiro filme. Com o casamento desgastado dados fatores do cotidiano, tais como o excesso de trabalho por parte dele, ela decide "dar um tempo" na relação, com Cláudio indo, a contragosto, passar uns dias no apartamento de seu amigo solteirão Nelsinho (Cássio Gabus Mendes). Inevitavelmente, o marido fiel acaba sendo levado pelo antigo companheiro de farras a uma balada, na qual será encontrado por acidente pela esposa na companhia de uma mulher em uma situação aparentemente de traição, a qual leva a um pedido de divórcio por parte de Helena.

Na audiência de conciliação para dividir os bens do casal, Cláudio tem uma crise de ciúmes ao ver que sua esposa contratou como advogado seu primo e antigo namorado João Paulo (Marcos Paulo). Após uma discussão feia, seguida por uma briga no elevador, o casal acaba trocando novamente de corpos. Pensando que a situação só irá durar 4 dias, como da última vez, os dois resolvem tentar manter as aparências por esse período. No entanto, quando eles descobrem que sua filha, Bia (Isabelle Drummond), está grávida, tal idéia vai pelo ralo, com os dois tendo de lidar com o futuro genro, Olavinho (Bernardo Mendes), e os pais bilionários deste, Olavo (Chico Anysio) e Denise (Maria Luisa Mendonça).

Aqui começa um dos grandes problemas do filme: o excesso de tramas paralelas. Não bastassem os plots citados acima, o longa perde muito tempo colocando as piadas fáceis com o padrão Globo Filmes de originalidade. Sim, explorar a diferença entre homens e mulheres é uma ótima idéia, mas precisa colocar gags e mais gags tentando sugar até o bagaço desse tema, ao invés de deixar a história fazer isso de uma maneira mais orgânica? Aparentemente sim.

Deste modo, temos ótimas cenas, tal qual a do almoço da família do noivo com a da noiva, onde Tony Ramos e Glória Pires realizam um trabalho competente ao lado de Chico Anysio e Maria Luisa Mendonça, com diálogos e atuações bem afinadas, praticamente engarrafadas entre outras extremamente pobres de imaginação, como a de Helena, no corpo de Cláudio, tentando jogar futebol ao lado de Nelsinho ou fazendo compras que fariam as garotas de "Sex and the City" enrubescerem.

Aliás, reconheço que sou um tanto sovina, mas nenhum homem com o mínimo de bom-senso o é ao ponto de sugerir que o casamento da própria filha seja realizado tendo como tema festas juninas! Aliás, "Se Eu Fosse Você 2" sofre de um machismo que ME fez corar. Percebam que, antes da troca de corpos, Helena sempre aparece como uma mulher forte e decidida, mas, logo após o evento sobrenatural, se transforma em uma dondoca fresca. Do mesmo modo, mas de maneira bem menos grotesca, as características mais estereotipadas de Cláudio aumentam de maneira absurda após este entrar no corpo da esposa.

Tal problema, que vem desde o primeiro filme, mostra o quão fraco na direção de atores é o cineasta Daniel Filho. Ao invés de orientar os intérpretes em relação à descaracterização dos personagens, ele exacerba o lado caricatural. Só isso explica a afetadíssima atuação de Tony Ramos ao viver Helena. Já Glória Pires, por sua vez, é salva de demais exageros graças a uma ótima idéia do roteiro, a qual não comentarei aqui. Infelizmente, esta interessante reviravolta narrativa acaba eclipsada pelo excesso de cenas desperdiçadas com gags.

O desperdício, aliás, dá o tom no filme. A despeito de terem uma ótima química com o casal principal, Chico Anysio e Maria Luisa Mendonça têm participações extremamente limitadas, embora façam rir em todas as cenas em que aparecem. Em compensação, o filme ficaria muito bem sem a presença de figuras como Adriane Galisteu, que tem a pior interpretação desde… bem, o surgimento das artes cênicas.

Cássio Gabus Mendes faz o que pode para dar energia ao caricatural Nelsinho. Por sua vez, Marcos Paulo aparece mais canastrão do que nunca vivendo o advogado e pseudo-galã João Paulo. Vivianne Pasmanter, em sua ponta como a modelo/atriz Carla, mais embaraça do que qualquer coisa. Quanto ao casal juvenil, temos Isabelle Drummond como Bia, dividindo ótimas cenas com seus "pais", mesmo aparecendo pouco, enquanto Bernardo Mendes, como Olavinho, faz o típico papel de noivo em casamento: praticamente figuração.

Na parte técnica, nada de novidade. Sem grandes ambições cinematográficas, Daniel Filho faz algo pouco diferente do que visto em produções para a TV, apenas aumentando o escopo na cena final do casamento e com a marketada "nada exagerada" costumeira de seus filmes, praticamente gritando para o espectador "Assine Sky assim que sair do cinema!".

"Se Eu Fosse Você 2" poderia ser um longa mais divertido, inteligente e dinâmico se saísse do pacto de mediocridade que tem com o seu público, de sempre dar mais do mesmo para este, nunca variando, com a audiência sempre engolindo sentada, sem exigir algo mais do que o básico. O pior é saber que o filme tem um elenco de primeira (mesmo que misturado com alguns dos piores "atores" possíveis) e contava com boas idéias que poderiam gerar uma comédia inesquecível. Fica no quase, no desperdiçado e no medíocre mesmo.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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