Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 31 de julho de 2008

Irina Palm

Marianne Faithfull protagoniza “Irina Palm”, filme sobre as escolhas que fazemos e as conseqüências delas. A sensibilidade da trama dispensa o excesso melodramático e fala de amor e redenção, sempre com bom humor e sem esquecer a seriedade e a integridade de suas idéias.

Maggie (Marianne Faithfull) é uma mulher viúva que tem apenas um filho. Vivendo a terceira idade, sua vida não tem muitos atrativos, e talvez ela nem quisesse. O maior amor da vida da protagonista é o neto Ollie (Corey Burke), vítima de uma doença grave que só parece piorar. Tendo feito tudo para dar assistência ao tratamento do neto, como pedir empréstimos e vender a casa onde morava, Maggie se vê inválida quando descobre que precisará de mais dinheiro. O médico de Ollie conta que o menino deve ser transferido para receber um novo tratamento, porém nem Maggie nem seu filho Tom (Kevin Bishop) e a esposa Sarah (Siobhan Hewlett) têm recursos para isso.

Após novos empréstimos serem recusados, Maggie vê um anúncio para atendente em uma boate masculina erótica. Porém, o que eles chamam de atendente é uma mulher que dá prazer aos freqüentadores. Com a promessa de grandes lucros, Maggie acaba aceitando o emprego. Ela recebe a ajuda de Luisa (Dorka Gryllus) para aprender as manhas da profissão e passa a masturbar homens através de uma parede. O “talento” da protagonista a transforma em Irina Palm, uma mulher que vira popular entre os clientes do clube, rendendo muito dinheiro a Mikky (Miki Manojlovic), dono do local. A partir daí, Irina passa a ter uma vida dupla e precisa conviver com as constantes desconfianças dos vizinhos e do filho, enquanto consegue o dinheiro necessário para o neto.

Tudo que envolve o mundo pornográfico às vezes vem acoplado com a leve insensibilidade do cinema em mostrar tudo de forma depravada. Alguns filmes chamados de “arte” privilegiam o não pudor de seus personagens, como uma forma de chamar atenção e sair com a fama de cult. O fato de Maggie ser uma cinqüentona e embarcar no mundo erótico poderia render muitos momentos degradantes para a trama, porém Sam Garbaski, diretor e roteirista do longa, soube muito bem como explorar tais situações sem parecer apelativo. A intenção inicial não é mostrar o melodrama do netinho necessitado de ajuda, muito menos uma possível vulgaridade da protagonista. A história levanta a discussão de até onde as pessoas podem se entregar em busca de algo valoroso, não em termos diretamente materiais, mas sentimentais.

Maggie é, acima de tudo, uma personagem solitária, por mais que perca suas tardes fofocando com amigas ou no hospital com o neto. Garbaski faz questão de investir em longos momentos em que a protagonista divide o silêncio e seus olhares aflitos. Maggie é uma mulher vivida que percebe que seu atual ideal, o de ajudar o neto, é muito mais importante do que manter uma postura socialmente aceitável. O que poderia ter caído no clichê seria a forma de inocentar as profissionais do sexo, justificando que algumas delas fazem “por necessidade”. Mas o filme não chega a esse juízo de valor, ele apenas apresenta uma personagem introspectiva que tem um desafio pela frente, ainda que algumas vezes a ingenuidade de Maggie dê nos nervos.

É tanto que Maggie passa a encarar com naturalidade seu trabalho, mesmo após o estranhamento inicial. Sem instrução acadêmica ou habilidades para conseguir outro tipo de emprego, as tentativas que ela faz antes de embarcar no clube são cruéis. Um jovem executivo chega a ser indelicado, afirmando que com a idade que ela tem jamais conseguirá um trabalho. A esperança veio do clube erótico e, com o tempo, se torna uma atividade comum. É divertido ver como Maggie encara com seriedade o que faz, sempre centrada em seus objetivos. Ela chega até a levar alguns objetos de sua casa para decorar a cabine onde passa boa parte de seu tempo masturbando os clientes. Em momento algum ela é desonesta ou ambiciosa, somente quer o dinheiro para o neto. A relação que ela cria com Mikky também é curiosa, visto que ele é outro personagem solitário que se refugia em um mundo que não tem muito a preencher suas necessidades, a não ser dinheiro.

O sucesso de uma história interessante também é fruto do talento de Marianne Faithfull, que se entrega por completo ao personagem. Ela sabe quando precisa variar as nuances de Maggie/Irina e sempre mantém seu olhar firme, triste e revelador. O andar discreto, o modo delicado de se vestir e falar, o amor que sente pela família e a disponibilidade de ajudar acima de qualquer coisa são fundamentais para a construção da personagem. Faithfull se revela uma monstra da interpretação, sabendo como causar o riso sem ser apelativa ou como dramatizar sem banhar o público de lágrimas passageiras. Uma das cenas mais marcantes é quando o filho de Maggie descobre a atividade da mãe e a humilha, chamando-a de prostituta. Maggie simplesmente olha para ele e diz que não é uma prostituta. Sua docilidade e a intensidade da carga dramática do momento estão em perfeita harmonia, além da atuação de Kevin Bishop também ajudar no bom desenvolvimento da cena.

O diretor Sam Garbaski proporciona ao público tantos momentos memoráveis, desde planos curtos, porém significativos, a passagens mais duradouras, como as constantes caminhadas de Maggie pelas ruas londrinas. A facilidade de Garbaski em lidar com o talento do elenco também favorece o resultado final do longa, com todos os atores em perfeita sintonia. A trilha sonora sempre aparece de forma pacata e algumas vezes repetitiva, mas não chega a tirar a atenção de Maggie, que é o que mais importa durante toda a projeção. Garbaski exagera apenas nos muitos fades entre algumas seqüências, onde não seria necessário o escurecimento da tela em cada passagem de tempo e espaço da trama. Porém, não chega a ser um grande prejuízo.

Um filme acima de tudo sobre o amor de uma grande mulher pelo neto, “Irina Palm” não precisa, como acontece, ter um desfecho mais específico sobre o neto de Maggie, já que o filme é exclusivamente um estudo psicológico e comportamental da protagonista. Em nenhum momento “Irina Palm” se torna vulgar ou cansativo, muito pelo contrário. O filme conquista o espectador que consegue captar a essência dos personagens de forma delicada e complexa, sem desmerecer seus atos ou encará-los de forma inapropriada. Um drama imperdível para os amantes de um cinema de qualidade!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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