Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 05 de abril de 2008

Awake – A Vida por um Fio

“Awake – A Vida por um Fio” marca o ingresso de Joby Harold como diretor e roteirista de cinema. Aproveitando-se de uma situação médica curiosa, o longa começa em um bom ritmo, porém dispersa seu argumento inicial. Ainda assim se torna um filme levemente interessante de ser visto.

Clayton Beresford Jr. (Hayden Christensen) é herdeiro de uma fortuna inigualável. O jovem de 22 anos vive com a mãe Lilith (Lena Olin) e administra as empresas deixadas pelo falecido pai. Mesmo parecendo ter tudo, Clay esconde da mãe o namoro com a bela Samantha Lockwood (Jessica Alba), que é apenas uma funcionária da família, impedindo inicialmente que os dois concretizem o relacionamento na igreja.

Como se não bastasse, Clay está na lista de espera por um transplante de coração. Quando chega sua vez de receber o órgão, Clay se prepara para a cirurgia. O que ele não esperava era que passaria por uma condição rara na mesa de cirurgia: após a anestesia geral, seu corpo não responde, mas sua mente está ligada a todo o processo externo. Clay tenta se comunicar com os médicos para avisar que está "acordado" e sentindo os cortes do transplante, mas acaba descobrindo algo inesperado.

Tantas foram as histórias que se passaram em mesas de cirurgias ou alas especiais de hospitais. Seriados como “E.R.” e “Grey’s Anatomy” pegam situações não convencionais para abordar a cada episódio, educando os espectadores em relação a termos médicos e condições especiais de saúde. Além dos episódios curiosos, contam com uma direção de arte incrível, fazendo cada pulsação do coração parecer real. Em “Awake – A Vida por um Fio”, temos um primeiro ato de introdução da vida do protagonista, que o leva a um transplante. Neste segundo ato, analisamos questões como inconveniências cirúrgicas e ética médica. Ainda que haja mérito pela forma como o filme é encaminhado, tem suas diversas falhas.

O cineasta Joby Harold tenta construir uma trama que se dispersa em seu teor original. A princípio, a idéia era investir na consciência anestésica de Clay, e quando o terceiro ato do filme se desenvolve, contando até com tiradas sobrenaturais, parece que faltou mais criatividade para dar encaminhamento à trama. Harold consegue manter o suspense com suas reviravoltas, mesmo apresentando-se em excesso. O filme parece estar mais preocupado em criar situações inesperadas do que resolvê-las. Se o principal era mostrar a condição de Clay acordado durante a cirurgia, não espera-se que ele precise rever toda sua infância para se considerar um bom ser humano.

A pouca determinação em um roteiro que preze o essencial do argumento do longa e não se perca em atos secundários também é marca da direção de Harold. Mesmo ajudado de uma direção fotográfica decente, o diretor é pouco criativo ao dar ritmo a história. É tanto que em alguns momentos cruciais em que o filme precisa chocar o público acaba passando despercebido. A falta de criatividade também atinge a trilha sonora, que permanece no básico de filmes de suspense, pendendo para um drama mais melódico. Algumas vezes, melhor do que criar suspense sonoramente é optar pelo silêncio e expressividade dos personagens.

No que se refere a expressividade, a dupla protagonista não possui por inteiro. Hayden Christensen é um galã que peca pela apatia que causa. Depois do super-herói vivido em “Jumper”, o ator pouco convence como herdeiro milionário que é “dono de metade da cidade”. Isso, claro, referente a parte inicial do filme, visto que o restante ele passa em uma mesa de cirurgia. Jessica Alba permanece a mesma de seus últimos filmes. A mídia costuma pegar no pé da moça, que mais esbanja beleza do que talento. Com Sam, Alba até que ela consegue dar um pouco mais de tempero em sua personagem, ainda que não chegue a ser perfeita.

Merece destaque no elenco Lena Olin, como a mãe do protagonista. A posição incômoda de ver a relação de mãe e filho praticamente como de irmãos (pela jovialidade) acaba sendo curiosa. Olin ganha uma função fundamental na resolução do conflito final, ainda que seja por um meio já esperado na trama. O ator Terrence Howard costuma ser ovacionado por seus projetos, mas aqui ele faz apenas o básico, inclusive incomodando em sua incapacidade de transmitir emoção e esconder os passos ensaiados durante o prólogo do longa. Prólogo este, diga-se de passagem, que esconde uma pegadinha que certamente dividirá o gosto do público.

Aliás, creio que “Awake – A Vida por um Fio” deve dividir em geral a opinião dos espectadores. Não por ser um filme de múltiplas interpretações ou para se pensar após a sessão, mas sim por mexer com elementos que só a curiosidade e (in)genuidade de quem for assistir ditarão se é de bom gosto ou não. A audácia em criar reviravoltas a priori se torna interessante, mas foge do propósito, como forma de esticar a duração do longa. Mesmo assim, é um filme despretensioso e que não deve ficar na memória das pessoas por muito tempo. Apenas entretenimento.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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