Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 10 de fevereiro de 2008

Cloverfield – Monstro (2008): J.J. Abrams sabe aguçar a curiosidade das pessoas

Assim como o cineasta e produtor Judd Apatow está reestruturando o modo de comédia na indústria de cinema hollywoodiana, J.J. Abrams parece ter planos semelhantes para longas que envolvem ação e ficção científica. Tendo estourado ao co-criar a fantástica série "Lost" e dirigido um ótimo exemplar da cine série "Missão: Impossível", Abrams produziu este interessante filme.

“Monstro gigante ataca metrópole”. O cinema, principalmente o asiático, já explorou esta premissa várias vezes desde “Godzilla”, passando ainda por outras obras do gênero como “Mothra” e “Gamera” até o recente “O Hospedeiro”. Geralmente, estas obras são focadas na besta da vez destruindo a cidade ou nos heróicos protagonistas buscando salvar amigos, a cidade e/ou o monstro. No entanto, foi a produção americana “Cloverfield” que introduziu no gênero um fator novo.

A fita toda é contada do ponto de vista de pessoas comuns, pegas no meio de uma Nova York sitiada pelo confronto do Exército Americano e a gigantesca e misteriosa criatura, que está destruindo a grande maçã e usando a cabeça da Estátua da Liberdade como bola de futebol. Não se trata de uma narrativa cinematográfica clássica, mas de um longa que encarna o papel de um registro amador de uma calamidade de proporções inimagináveis.

Como pano de fundo, temos a história de Rob (Michael Stahl-David), que acabou de receber uma promoção na companhia onde trabalha e está de partida para o Japão – não por coincidência o berço dos monstros clássicos da sétima arte. Para se despedir, a namorada do irmão de Rob, Lilly (Jessica Lucas), organiza uma festa de despedida, enquanto este tenta lidar com seus sentimentos para com Beth (Odette Yustman).

Durante a tal festa, registrada pela câmera de Rob, devidamente operada pelo melhor amigo deste, Hud (T.J. Miller), uma série de tremores abala a cidade. Pouco tempo depois, todo o inferno cai sobre a metrópole, com a gigantesca criatura destruindo prédios a torto e a direito, devorando pessoas e acabando com o poderio militar dos EUA. Enquanto a população tenta escapar da morte, Rob, seu irmão Jason (Mike Vogel), Lilly e sua amiga Marlena (Lizzy Caplan), todos sempre sob o olhar da câmera de Hud, correm para tentar resgatar Beth que, obviamente, está na área de destruição favorita do bicho.

Um defeito que seria considerado gravíssimo em qualquer outra produção, mas que realmente não incomoda aqui, é justamente a falta de carisma da maioria dos personagens, não dando quase nenhum material para seus intérpretes. Rob é praticamente nulo durante toda a produção e sua corrida para salvar Beth é simplesmente insana. Esta serve apenas como interesse romântico do protagonista e “MacGuffin” da fita – ou seja, o “algo” que faz a trama prosseguir. Jessica Lucas, como Lilly, vive a personagem mais ponderada da fita, o que não a impede de seguir Rob em sua empreitada.

Enquanto isso, o Jason de Mike Vogel passa batido por toda a fita, com sua única relevância a trama existindo durante uma cena na ponte. Porém, T.J. Miller e Lizzy Caplan conseguem tirar alguma coisa de seus personagens. O primeiro, vivendo o “câmera-man” Hud, tem ótimas tiradas durante a produção, sendo uma pena que mal apareça durante o filme. Já Caplan encarna Marlena como a personagem mais carismática da fita e, invariavelmente, mais azarada.

Não é surpresa que o proto-casal formado pelos dois chame mais atenção que o insosso par Rob-Beth. Uma nota engraçada é o diálogo entre Hud e Marlena sobre o Superman, que se torna ainda mais interessante quando sabemos que Caplan já encarou o jovem Clark Kent em uma participação como vilã em dois episódios de “Smallville”.

Inicialmente o filme segue a receita dos filmes de horror, apresentando os personagens em situações comuns, criando um pequeno drama entre eles e, depois os jogando aos leões – ou, neste caso, à besta de origem misteriosa. É neste terceiro e determinante fator que “Cloverfield” se mostra único. Sim, a motivação para jogar o grupo no perigo é quase tão insólita quanto a criatura em si. No entanto, este detalhe cai para último plano quando vemos o fabuloso trabalho realizado pelo diretor Matt Reeves e sua equipe técnica.

Tornando os parcos recursos visuais de uma câmera digital um trunfo, acompanhamos o desespero de Rob e seus amigos em situações progressivamente mais perigosas. Por vários momentos, a luz da câmera é a única que ilumina o ambiente pelos quais os personagens percorrem, criando seqüências incrivelmente efetivas, vide a passagem por estes por um túnel em dado momento do filme.

Reeves e o diretor de fotografia Michael Bonvillain ainda se utilizam da visão noturna e do foco automático da câmera para aumentar o clima de tensão da película. O trabalho da equipe de efeitos visuais na criação do gigantesco monstro – bem como nas demais criaturas – é digno de elogios, com estes tendo uma textura absolutamente perfeita, além de um design realmente assustador.

A edição do filme, feita por Kevin Stitt, ressalta o caráter “amadorístico” da fita, inserindo momentos da gravação anterior da fita na câmera de Rob como flashbacks de um dia feliz deste ao lado de Beth, todos colocados de maneira brilhante na narrativa atípica da produção.

O roteiro de Drew Goddard possui seus furos e falhas, com este apresentando um trabalho aquém do visto em episódios de “Buffy” e “Angel” por ele escritos. Mesmo assim, o filme cumpre com louvor seu papel de divertir, graças ao pioneirismo da iniciativa em usar a máxima “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça” em um filme de monstro, com a proposta sendo cumprida de maneira exemplar pelos realizadores da fita.

No entanto, “Cloverfield” jamais existiria não fosse o produtor J.J. Abrams. Se utilizando de colaboradores de velha data em todas as funções-chave da equipe do filme, este tem, em todas as suas virtudes, a marca de Abrams, cujo trabalho no vindouro “Jornada nas Estrelas” acabou de ganhar um pouco mais de expectativa.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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