Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 06 de fevereiro de 2008

Juno

Após se destacar em festivais e premiações importantes para o cinema, “Juno” virou o filme obrigatório da temporada, algo como o alternativo “Pequena Miss Sunshine”. “Juno” está longe de ser uma obra prima e ter uma história fantástica, porém a capacidade de alcance de seus personagens e o carisma de Ellen Page tornam o filme agradável.

Juno MacGuff (Ellen Page) vive o auge da rebeldia dos 16 anos de idade quando descobre que engravidou de um colega de sala, Paulie Bleeker (Michael Cera). Após alguns testes para confirmar a notícia, Juno conversa com sua melhor amiga, Leah (Olivia Thirlby), para pensarem no que fazer. Após considerar fazer um aborto, Juno decide que o melhor para ela e para a criança seria procurar algum casal que não tem filhos e queira adotar o bebê, carinhosamente chamado por Juno de “the thing” (a coisa). É aí que a adolescente encontra no jornal Vanessa (Jennifer Garner) e Mark (Jason Bateman), um casal disposto a ficar com a criança. A partir daí, Juno vive os nove meses de gravidez meio a confusões e situações que precisarão de muita maturidade.

O roteiro de Diablo Cody é simples. A temática não é nova, muito menos a forma de abordá-la. O diferencial é que Cody consegue criar personagens realmente interessantes que se saem bem em seus momentos. A principal, Juno, é que sintetiza praticamente todo o mérito do longa, provando o talento irremediável de Ellen Page. Cody traz diálogos com humor, com tragédia e, o que seria mais importante, espontaneidade. A forma como a trama se desenrola é previsível, porém apaixona o público pela sensibilidade do enredo e carisma da protagonista.

Juno é uma menina imatura, que decide dar o bebê para adoção não por se sentir incapaz de criá-lo, mas pelo fato de que não quer e não tem responsabilidade para isso. A visão de Juno acerca da gravidez é ácida, como uma forma de refúgio para amenizar o que está vivendo. Ela não se importa com a situação, ela quer apenas fugir do que vive. Ao mesmo tempo em que é imatura, Juno vive um paradoxo interessante com a maturidade. Em algum canto daquela menina há consciência dos seus atos, que não serão amenos e que ela prefere não pensar. Além da lição da gravidez precoce que o roteiro aplica, o que mais funciona é o fato de saber até onde o ser humano é capaz de ir para se beneficiar ou beneficiar os outros; até onde as relações se desenvolvem para criar um convívio decente.

Ellen Page está magnífica. Aos 21 anos na vida real, a atriz tem uma grande capacidade de interação com todas as situações que sua personagem precisa enfrentar, dispondo de muita improvisação e tiques que funcionam com o papel. Sua forma de encarar a gravidez é peculiar, trazendo risadas que, muitas vezes, são descartadas pela péssima legenda que o filme ganhou. Suas respostas rápidas e a necessidade de ter uma vida coerente fazem de Juno uma pessoa carismática para o público. Page certamente se fixa no cenário dos grandes astros do momento que serão responsáveis por uma época do cinema em que, seja em filme independente ou comercial, a criatividade cai, mas os conceitos algumas vezes voltam renovados. Neste caso, é essencial para um ator ter desenvoltura para não viver os mesmos personagens. Page é versátil e sabe como tocar quem assiste, seja com o humor ou com o drama. O ato final, até então em aberto para o público, mostra o quanto o roteiro não poupa do realismo e o quanto Page é cativante.

Mesmo que o filme seja de Page, a contribuição do resto do elenco também é memorável. Michael Cera faz de Bleek o típico jovem tímido que não teria a idéia de se envolver sexualmente com sua colega de sala. Cera transita bem no silêncio de seu personagem e repreende Juno quando precisa. A simpatia de Bleek vem pela impossibilidade posta de ele ajudar na decisão de Juno, mesmo deixando claro que ela poderia decidir o que quisesse. Mesmo jovem, Bleek tem seu momento na gravidez, como qualquer pai, e é vítima do egoísmo premeditado de Juno de cuidar da situação sozinha.

Ainda no elenco, a participação de Jennifer Garner não requer muito da atriz, a não ser ao retratar seus maneirismos e organização como dona de casa, o que não influi em nada na trama, a não ser parcialmente no relacionamento com seu marido. Jason Bateman atrai muito mais a atenção em cena não só pelo convívio com a esposa, mas pela relação particular que desenvolve com Juno. Entretanto, é um dos personagens mais prejudicados, por não conseguir convencer o público de suas decisões no clímax da trama. J.K. Simmons e Allison Janney como o pai e a madrasta de Juno são prejudicados pelo excesso de compreensão com a situação, abrindo o debate se todos os pais agiriam da mesma forma. Mesmo com esse contraponto, Simmons e Janney são excelentes em cena, sem nunca deixar de demonstrar o amor pela filha, principalmente Janney na condição de madrasta.

O responsável por transformar os momentos imperdíveis do roteiro em imagens é Jason Reitman, que conseguiu se destacar após o ótimo “Obrigado Por Fumar”. Sabendo melhor do que ninguém lidar com situações difíceis e humor negro, o diretor faz um trabalho regular e engrandece a história, apesar de não investir no filme nenhum toque realmente inesquecível. Reitman faz o básico e fica nisso. Para engrandecer a condução, Reitman traz uma trilha sonora que agrada em geral, tanto pelas escolhas e referências musicais citadas no roteiro, quanto pela forma com que os personagens falam de música. As cenas de Juno discutindo sobre música e cinema com Mark são simplesmente ricas em seu conceito.

Mesmo não sendo um filme surpreendentemente bom, “Juno” é gracioso e conquista por isso. As indicações ao Oscar fazem da película uma comédia necessária para pessoas de todas as idades. Os méritos ficam com as excelentes tiradas do roteiro de Diablo Cody e a atuação do elenco, principalmente de Ellen Page. “Juno” é um filme de atores e diálogos que correm rápido do humor para o drama e fica impossível não se envolver com a situação. Nada mais do que um bom filme.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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