Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 13 de janeiro de 2008

Meu Nome Não É Johnny

Mostrando a trajetória de ascenção, queda e salvação do ex-traficante de drogas carioca João Guilherme Estrella, "Meu Nome Não é Johnny" é uma ótima adaptação cinematográfica da biografia de Estrella, pontuada ainda por mais uma competente atuação de Selton Mello.

Ver o nome de um filho nos jornais como alguém envolvido com o crime é, com certeza, o pior pesadelo de um pai. Maria Luisa Estrella sentiu isso na pele quando seu filho fora preso pela Polícia Federal de posse de quase seis quilos de cocaína, que seria distribuída na Europa. Este é o ponto de partida de "Meu Nome Não é Johnny", adaptação do livro homônimo que conta a real e tresloucada trajetória de João Guilherme Estrella.

Vivido por Selton Mello, João Guilherme era o típico filho da classe média-alta carioca. Sua infância abastada, inteligência, determinação e tendência para a bagunça lhe fizeram um líder carismático para a sua turminha. Isso se prolongou na sua adolescência, fase na qual começou a se envolver com o surf e, indo na onda de seus amigos, acabou descobrindo as drogas. Com a sua estrutura familiar alquebrada devido a frágil saúde de seu pai, João começou a dar festas desregradas em sua casa, todas regadas a cocaína.

Aos poucos, João saiu da posição de consumidor para a de revendedor da droga, colocando-o em contato com os mais diversos tipos de figuras, desde a improvável traficante setentona, dona Marly (Eva Todor), passando pelo psicólogo que se afundou no pó (Kiko Mascarenhas), chegando aos impagáveis policiais em busca de "um por fora" (Orã Figueiredo e Hossein Minussi). No entanto, ao conhecer o rico traficante Alex (André di Biasi), João começa a negociar em quantidades imensas, o que chama a atenção de Felipe (Charly Braun), traficante internacional que resolve levar a mercadoria de João para o exterior.

Gastando todos os seus enormes ganhos com festas maiores ainda, João e sua esposa Sofia (Cléo Pires) vivem suas vidas num ritmo alucinante mas, em algum momento, a festa sempre termina. Após sua prisão, João, que nunca havia pisado em um morro na sua vida, conhece de perto o dia-a-dia da vida dos bandidos mais perigosos do Rio, o que o leva a avaliar as causas e conseqüências de sua derrocada.

O roteiro, escrito pelo próprio diretor do longa Mauro Lima em conjunto com a produtora Mariza Leão, capta a essência do livro de Guilherme Fiúza, retratando muito bem a inconseqüência do mundo de João. O texto consegue ser bastante fiel ao original, mesmo fundindo alguns personagens e cortando algumas passagens interessantes. No entanto, tratando-se de um filme com cerca de duas horas, e isto era realmente inevitável. Cercando as alopradas circunstâncias da vida de traficante do protagonista com uma leveza maliciosa, é impossível não se divertir com cenas como a incursão de João e Laura (Rafaela Mandelli) ao fórum ou na seqüência em que conhecemos a dona Marly.

Esses momentos não deixam de ser repletos de uma falsa inocência, a qual começa se perder em momentos mais pesados, principalmente quando a figura patética do viciado psicólogo é introduzida, sendo finalmente descartada após a prisão de João. É neste momento que o filme muda inteiramente de tom, se aprofundando ainda mais na tragédia de seu personagem principal. É uma pena que esta parte do longa, um dos mais interessantes do livro, seja tão pouco explorado pelo filme. Figuras como Alcides (Luis Miranda), tiveram alguns de seus melhores e mais interessantes momentos não traduzidos para o cinema.

Para contar a história de João, o diretor Mauro Lima teve o apoio de um elenco extremamente afiado. Selton Mello, como não poderia deixar de ser, é o destaque absoluto do filme. Seu João é repleto de uma carismática inconseqüência. Sempre empolgado com tudo, fica difícil não se deixar levar por aquela figura sempre animada. O ator ainda consegue contrapor aquela energia do João com os momentos mais sérios vividos por seu personagem, principalmente as cenas na prisão, no manicômio judiciário e no reencontro de João com o Rio de Janeiro.

Cléo Pires também se destaca como a agitada Sofia. Embora o romance dos dois não tenha grande destaque na tela – como também não possui no livro -, a atriz consegue colocar em cena uma personagem interessante, já que o carisma e beleza da atriz acabam chamando bastante a atenção do público durante suas aparições. Sua passagem mais interessante foi justamente quando Sofia começa a "cair na real", percebendo que a vida de festas intermináveis de João perde o apelo.

Já o elenco secundário também se destaca na produção. Apesar de alguns personagens terem pouquíssimo tempo de tela, a maioria consegue roubar a cena quando aparece. Júlia Lemmertz concede intensidade como a mãe de João, mostrando nas poucas cenas em que aparece toda a tristeza que sente em relação à "profissão" do filho. A frase "não na nossa família" dita no primeiro encontro com o advogado do filho ecoa durante toda a projeção. Cássia Kiss como a Juíza Marilena mostra a emoção que a magistrada expressa no livro, sendo uma pena que não tenha maior participação.

Eva Todor diverte como a dona Marly, a velhinha que, a despeito de sua nada ortodoxa fonte de renda, ainda lembra e age como aquela tia preocupada que todos nós temos. Já Rafaela Mandelli, com os diversos penteados com qual sua personagem, Laura, aparece em cena, captura a atenção do público graças a sua rápida mudança de atitude. Ao ser presa, ela avisa ao policial que vai acender um baseado, pois está muito nervosa, enquanto no depoimento aparece de figurino recatado e bíblia na mão, afirmando que encontrou Jesus e que estava descaminhada.

Já do lado masculino, vale destacar as ótimas – e curtas – participações de Giulio Lopes e Kiko Mascarenhas. O primeiro mostra uma energia parecida com a do João adulto no início da película, que vai se perdendo graças a seu desinteresse consigo mesmo e com a vida. Já Mascarenhas mostra alguém levado ao fundo do poço pelo mundo das drogas, retratando muito bem o alquebrado Dr. Danilo.

Mauro Lima, que antes havia dirigido o infantil "Tainá 2 – A Aventura Continua", conduz com competência a história de João, retratando o clima do Rio de Janeiro do final dos anos 1980 até a segunda metade da década passada. Apesar disso, o diretor também comete seus pecadilhos, como alguns closes despropositados e algumas falhas na recriação adequada do período, principalmente nas cenas passadas da Europa, que chegam a mostrar um monitor de plasma em determinado momento.

A trilha sonora do filme também é um dos fatores pelos quais este acaba sendo tão envolvente. Ressalte-se também a ótima direção de fotografia do longa, feita por Ulrich Burtin, que já havia colaborado com Lima em "Tainá 2". Burtin consegue mostrar o submundo da boemia carioca daquele período, jamais exagerando nos tons escuros demais, fugindo dos clichês dos filmes que mostram o tráfico de drogas.

Mostrando um tom completamente diferente de "Tropa de Elite", que ilustrou a rota do tráfico pela ótica dos policiais, a mensagem de "Meu Nome Não é Johnny" é, no final, positiva, mostrando que é possível sim recuperar indivíduos que se perdem pela densa e fechada floresta que é o mundo do crime. Altamente recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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