Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Barry Lyndon

O mestre Stanley Kubrick depois de assombrar o mundo com “2001, Uma Odisséia no Espaço” e “Laranja Mecânica” decidiu investir sua genialidade em uma história quase prosaica.

A trama aborda a história de um homem chamado Barry Lyndon (Ryan O’Neal) que tem um dom raro, uma facilidade surpreendente para vencer qualquer obstáculo social e alçar gradativamente cada vez mais prestígio e bens materiais. Porém também padece de um terrível mal que é nunca conseguir manter nada do que conquista.

O ambiente escolhido para contar essa saga de conquistas e perdas é o século XVIII, precisamente entre os anos de 1756 e 1763 em meio a um gigantesco conflito internacional que ficou conhecido como a Guerra dos Sete Anos e que envolveu praticamente toda a Europa.

Barry Lyndon é um irlandês que, por transgredir a lei, se vê obrigado a fugir e depois se alistar no exercito de Luis XV por uma questão de sobrevivência e sorte. Por uma série de fatores, ele vai mudando de profissão até chegar ao ponto de ser espião, soldado e jogador, e por fim, fica claro que Barry Lyndon não é e nunca será coisa alguma além de um grande aventureiro que por uma mistura de desapego com irresponsabilidade, ingenuidade e imprudência, acumula ao longo da vida quase somente coisas “erradas”.

“Barry Lyndon” não é um filme muito pretensioso em sua temática, já que no fundo trata apenas de uma velha e gasta lição que nossas avós e as avós das nossas avós diziam: “Tudo que vem fácil, vai fácil”, “Só valorizamos aquilo pelo que suamos para conquistar” e por ai vai. Apesar dos seus longos 183 minutos, “Barry Lyndon” nunca dá a sensação de grandeza e complexidade, de ser algo profundo e rico que inspire debates e reflexões posteriores. Não foi a toa que para muitos críticos esse filme representou uma nota dissonante no conjunto da obra de Kubrick.

É evidente que esse filme não é uma obra-prima, pois seu roteiro e sua narrativa carecem de uma força impactante e penetrante que só os maiores têm, por outro lado, tecnicamente é um filme admirável e ousado.

Começando pelos inesquecíveis figurinos que Kubrick fez questão de serem roupas raríssimas genuinamente confeccionadas no século XVIII. Pode?! A trilha sonora de Leonardo Rosenman usou e abusou da obra de Franz Schubert que deu um tom corretamente monótono e lírico a todo o filme, não é por menos que Schuber ficou conhecido como o “mais poeta dos músicos de sempre” e tudo que esteja associado a sua música fica potencialmente caloroso, espontâneo, sentimental e ao mesmo tempo imaginativo e moderado, ou seja, foi uma belíssima escolha musical.

Outro fator que impressiona é a fotografia que, combinada com a ótima condução das câmeras e as lentes especiais, fizeram história na década de 70. Um bom exemplo técnico ocorre quando ao fazer um plano geral com um objeto central desfocado, Kubrick passa a dar um zoom sem cortes fazendo com que a pessoa fique nítida repentinamente; interessante também é o fato de que nas tomadas noturnas não se utiliza, em nenhum momento, de luzes de artificiais.

A atuação de Ryan O’Neal aparentemente engana, pois se em um primeiro momento parece ser inexpressiva e fraca, com um olhar mais apurado fica claro que não poderia ser diferente. Qualquer traço mais carregado ou caricatural em sua atuação faria com que toda a ambientação vagarosa fosse comprometida. Além de que o perfeccionismo de Kubrick jamais deixaria passar em branco más atuações. Também é agradável constatar que não houve qualquer preocupação em dar agilidade ao filme mesmo passando de 3 horas de projeção e com esse fato só podemos concluir que propositalmente a edição é lenta para que o espectador se transporte para a morosidade que tanto caracterizou aqueles tempos.

Todos os aspectos técnicos convergem para o mesmo ponto, mostrando que equilíbrio é a palavra que resume todo o trabalho feito e mesmo não tendo um grande apelo reflexivo em seu roteiro, “Barry Lyndon” não deixa jamais de ser mais uma obra com a marca e a genialidade de Stanley Kubrick.

Paulo Flausino
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